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Era, sem dúvida, a liberação momentânea de um instinto ou emoção reprimidos. Seria ela, apesar da negativa voluntária de sua mãe, sujeita a breves acessos de insanidade, ou seria aquilo um disfarce e um romance? Eu havia lido sobre aquele tipo de coisa em velhos livros de histórias. E se um pueril apaixonado tivesse conseguido entrar na casa, e quisesse fazer sua corte às escondidas, com a ajuda de uma inteligente velha aventureira? Mas havia muitos argumentos contra essa hipótese, por mais que agradasse minha vaidade.
Não podia me gabar de receber muitas das atenções que a galanteria masculina se deleita em oferecer. Entre aqueles momentos apaixonados havia longos intervalos de lugares comuns, de alegria, de melancolia, durante os quais ela parecia não me dar atenção, exceto que eu notava seus olhos me seguindo, cheios de um fogo melancólico. Exceto durante esses breves períodos de misteriosa excitação, seus modos eram muito femininos, e sempre muito lânguidos, muito incompatíveis com um sistema masculino saudável.
Seus hábitos, sob alguns aspectos, eram estranhos. Talvez não tão singulares na opinião de uma dama da cidade, mas eram para nós, gente do campo. Ela costumava descer do quarto muito tarde, geralmente não antes da uma hora, e então tomava uma xícara de chocolate, mas não comia nada; então, saíamos para uma caminhada, que era um mero passeio, mas ela ficava, quase imediatamente, exausta, e retornava para o schloss, ou se sentava em dos bancos colocados aqui e ali entre as árvores. Era uma languidez física que sua mente não compartilhava. Ela conversava sempre com animação, e muita inteligência.
Às vezes, ela aludia por um momento à sua própria casa, ou mencionava uma aventura ou situação, ou uma antiga lembrança, que indicava um povo de modos estranhos, e descrevia costumes dos quais não sabíamos nada. Deduzi dessas pistas ocasionais que seu país natal era muito mais remoto do que imaginei a princípio.
Certa tarde, enquanto nos sentávamos sob as árvores, uma procissão funerária passou por nós. Era o funeral de uma linda menina, que eu vira muitas vezes, filha de um dos guardas florestais. O pobre homem estava caminhando atrás do caixão de sua querida filha. Ela era sua filha única, e ele parecia estar com
o coração partido.
Camponeses, andando aos pares, vinham logo atrás, cantando um hino
fúnebre.
Levantei-me para prestar meus respeitos quando eles passaram, e acompanhei o hino que estavam cantando com tanta gentileza.

Carmilla - A Vampira de KARNSTEINOnde histórias criam vida. Descubra agora