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– Você quase morreu?
– Sim, foi um amor muito estranho, muito cruel, que teria tirado minha vida. O amor deve receber seus sacrifícios. Não há sacrifício sem sangue. Vamos dormir agora, sinto-me tão sonolenta. Como posso levantar-me e trancar a porta agora?
Ela estava deitada, com as pequenas mãos enterradas no farto cabelo ondulado, sob o rosto, a cabecinha sobre o travesseiro, e seus olhos brilhantes me seguiam para onde quer que eu fosse, com um tipo de sorriso tímido que eu não conseguia decifrar.
Dei-lhe boa noite, e saí do quarto com uma sensação desconfortável.
Muitas vezes fiquei imaginando se nossa linda convidada fazia suas orações. Eu certamente nunca a vira ajoelhada. De manhã ela só descia muito depois que nossas orações familiares estavam terminadas, e à noite, nunca deixava a sala de estar para participar de nossas breves orações noturnas no salão.
Se ela não tivesse deixado escapar em uma de nossas conversas que fora batizada, eu poderia ter duvidado que fosse cristã. Religião era um assunto sobre o qual eu nunca a ouvira dizer uma palavra. Se conhecesse melhor o mundo, essa negligência ou antipatia em particular não teria me surpreendido muito.
As preocupações das pessoas nervosas são contagiosas, e pessoas de temperamento semelhante certamente começarão, depois de algum tempo, a imitá-las. Eu havia adotado o hábito de Carmilla de trancar a porta do quarto, tendo absorvido seus medos tolos sobre invasores noturnos e assassinos à espreita. Eu também havia adotado sua precaução de fazer uma rápida inspeção pelo quarto, para me satisfazer de que não havia nenhum assassino ou ladrão escondido.
Depois de tomar essas sábias medidas, deitei-me na cama e adormeci. Havia uma luz acesa no quarto. Era um hábito antigo, e nada poderia me convencer a abandoná-lo.
Assim protegida, descansei pacificamente. Mas os sonhos atravessam paredes de pedra, iluminam quartos escuros, escurecem quartos iluminados, e suas personagens entram e saem quando querem, rindo das fechaduras.
Naquela noite tive um sonho que foi o começo de uma estranha
agonia.

Carmilla - A Vampira de KARNSTEINOnde histórias criam vida. Descubra agora