Capítulo 36

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Alis

   Bater na porta de Lily foi mais difícil do que poderia ser. As três batidas acompanharam os batimentos acelerados do meu coração. Ela não respondeu e então eu tentei de novo. Mais uma vez sem resposta.
   Ok, vai ser do jeito difícil então.
   Abro a porta e entro no quarto dela. Encontro Lily enfiada embaixo do edredom.
— Lily. — Tento chamá-la baixinho.
— Vai embora. Eu não quero você aqui. — Sua voz sai abafada, mas compreensível.
— Eu não vou embora, não até ver se está bem.
— Eu não quero ouvir você. Não quero ver você. Você nem se importa. Se mudou para cá, está com o meu pai. Tudo isso é uma encheção de saco! Eu não quero você aqui. É a minha casa!
— Não é assim, você sabe disso.
  Com muita coragem, me atrevo a sentar na beirada da cama dela. Consigo ouvi-la xingar baixinho.
— Eu já te mandei embora.
— E eu disse que eu não vou.
   Fico ali, sentada e com medo que ela exploda de novo, mas permaneço. Estarei aqui se ela quiser gritar ou desabafar. As vezes quando estamos no fundo do poço não precisamos de mensagens de motivação ou discursos longos sobre como a vida é bonita, as vezes nos só precisamos de alguém do nosso lado, alguém que mostre que está tudo bem estar na fossa mas que sabe que é possível sair dela.
   Alguém que possa ser uma corda e eu não me importo de ser a corda de Lily. Nunca vai importar o que ela diz ou faz, o que tenho que levar em consideração é o que sinto por ela e não ao contrário.
— Ele é bonito, me faz lembrar um namorado que tive. Geralmente os bonitinhos são os que quebram nossos corações.
— Eu não quero saber disso.
— Tampe os ouvidos então. A questão é que eu achava que gostava dele, mas era só carência. Eu era bem estranha na verdade, não acha? Nunca me envolvi de verdade...
— E pegou o meu pai. — Ela complementa nem um pouco feliz com isso.
— É eu peguei, mas ele é diferente. Sempre foi diferente para nós.
— Eca, você é tão nojenta!
— Você acha? Seu pai é tão bonito, eu acho que tenho bom gosto.
   Lily coloca a cabeça para fora das cobertas e me encara com o rosto vermelho e unido de lágrimas.
— Se vai continuar falando sobre meu pai é melhor ir embora!
— Eu paro, então. Mas foi você quem começou. — Ela revira os olhos enquanto se senta na cama. — E aí? Como foi que você conheceu ele?
— Ele quem?
— O idiota do seu namorado.
   Ela faz careta, não deve ter gostado de como eu me referir ao imbecil.
— Ele não é idiota, é o cara mais legal que eu já conheci. — Ela diz e caramba! Ela realmente acredita nisso. — E não que seja da sua conta, mas nós conhecemos na escola.
— Ah, entendo. Ele já...bem, veja só, ele bateu em você, eu só queria saber se ele já fez isso antes.
— Fora do meu quarto! Que porra é essa?! Você acha que pode me fazer esse tipo de pergunta?! Que pode chamar meu namorado de idiota?!
— Ele é um idiota sim, ele bateu em você, Lily!
— Foi um acidente! — Ela fica de pé e eu também.
— Um acidente? Então me explica esse acidente porque isso não é nada normal!
   Ela bufa alto, passa as mãos nos cabelos de fogo e então suspira.
— Eu disse a ele que iria na viajem da escola para o Museu de Nova York e ele não gostou que eu fosse sozinha.
— E por que ele não foi com você ao invés de te bater?
   Eu já não gosto desse cara.
— Ele não curte história.
— Ah, e você acha que isso é o suficiente para ele bater em você? Você acha que mereceu isso? Lily, nenhum dos seus pais já levantou a mão para você, como que você deixa alguém de fora fazer isso?!
   Minha nossa, esse poço é mais fundo do que eu pensei.
— Foi um...um acidente.
— Não, Lily, não foi. Você sabe que não é simples assim, sabe que ele não é certo. — Muita rápido, muito rápido. Ela não vai me ouvir se eu só jogar as coisas nela. — Você está bem? Quer algo para por na bochecha?
   Ela nega.
— Estou bem.
— Tá, ótimo. — Engulo em seco. Minha vontade é de dizer a ela a diferença entre um relacionamento saudável de um tóxico, mas não agora, ela precisa entender por si só. — Eu vou ver como o seu pai tá, se precisar...
— Não vou precisar, não mesmo.
   Ah, que menina cabeça dura.
   Saiu do quarto com a esperança de que Lily vá me procurar, de que ela perceba o que aconteceu. Não é fácil olhar para o próprio relacionamento e tentar dizer se ele é ou não tóxico. Mas ainda assim, espero que ela abra os olhos.
   Na cozinha encontro Logan sentado a mesa com um saco de ervilhas congeladas sobre a mão. O rosto esta impassível e ele está ansioso quando me vê entrar na cozinha. Me sento ao lado dele na mesa.
— Como e que tá aí? — Me refiro ao ferimento.
— Vou sobreviver. — Seguro o saco de ervilhas e faço o comprimento por ele. — E a Lily?
— Ela é cabeça dura que nem você, mas vai ficar bem. Agora, aquele cara, o que você vai fazer sobre isso?
— O que você acha que eu devo fazer?
   Ele está perguntando para mim? Isso e tão...novo.
— Acho que ele não faz bem a ela, mas proibir não vai levar a nada, ela vai arranjar um jeito de ver ele. Agora, quanto ao tapa, podemos ir a delegacia, mas ela vai ter que ir e eu não acho que ela esteja afim.
— Então estamos sem opções, é isso?
— Por enquanto, sim. Agora, senhor Shay, sinto lhe dizer mas temos trabalho amanhã, e você precisa relaxar.
— Como que eu vou relaxar com tudo isso?
   Hum, eu tenho as minhas ideias.
— Aah, entendi. — Ele diz, como se eu tivesse expressado em minha expressão o que se passa em minha mente. — Gosto disso.
   É claro que gosta.
   Na entrada da cozinha, Lily aparece. O rosto ainda está vermelho devido ao choro ou ao tapa, não sei dizer. Tento continuar com o que eu estava fazendo para que ela não se sinta encurralada com nossos olhares.
   Germa se mexe na cozinha.
— Tem remédio para dor de cabeça, Germa? — Ela pergunta. Germa se vira para ela.
— Vou pegar agora mesmo.
   Quando o assunto é conversa em família Germa é a primeira a sair correndo. As vezes eu queria poder sair correndo também. Ser adulto é um saco.
— Acho que já está bom, não acha?
— Não, continue como está.
   Olho para Logan. O sorrisinho nos lábios dele me diz que eu estou esquecendo de alguma coisa. Procuro ao redor e não encontro em nada. Então deve ser algo em mim. Não é o cabelo, nada em meu rosto...
   Ah, que tarado!
   Na posição que estou ele consegue ver meus seios através do decote da blusa. Ele está tirando proveito da situação.
— Incrível que você não deixa passar uma.
— São lindos demais para não serem notados. — Ele dá uma picadinha. Rá! Que bobo.
— Vão para o quarto. — Cantarola Lily, nem um pouco afim de nós escutar e olha, eu não julgo ela. — Aliás, vocês tem que ficar se secando e se beijando? É nojento.
— Sim, preciso sim. Essa casa também e minha, sabia?
— E? Nem todos querem saber que seus pais são pervertidos! E o senhor é o ápice da perversão. — Sorriu, mas não ouso dizer que estou logo atrás dele nesse quesito.
— E por que acha isso? Eu não sou pervertido. — Logan se defende, mas todos nós sabemos que sim, ele é meio pervertido.
— Você trepou com a minha irmã, para mim isso é um tipo de perversão. Pior, é uma tradição.
— Acha que traímos você? — Pergunto a ela.
— Tanto faz, eu não me importo mesmo.
— Acho que se importa sim, só não quer abrir mão do orgulho. Seu pai é igualzinho, sabia? — Retiro o saco de ervilhas da mão de Logan e dou uma olhada no estrago. Está arranhado e vermelho, mas nada com o que se preocupar. — Nos íamos contar a você. Antes, nós íamos mesmo.  Mas você descobriu da pior forma, então meio que ficou fora do contexto.
— Fora do contexto? Ficou muito claro para mim.
— Você acha que eu deflorei Alis, então sim, totalmente fora de contexto. — Diz Logan. — Quer a história curta ou a longa? Se quiser ouvir...
— Aí, não. Não quero saber. — Ela cruza os braços ao redor do peito.
— Igualzinha a você.
— Ah, você é tão chata.
— E você me ama, já sabemos disso. — Sorriu para ele. — Quer passar um antiinflamatório?
— Não, mais tarde eu tomo um remédio melhor.
   Ok, eu nunca fui chamada de remédio antes e por beber...
   Porque ele sempre me deixa animada com poucas palavras? É incrível a capacidade que ele tem de estimular minha mente e me deixar como fogo em palha seca.
— Tudo bem, então.
— Querem pedir o jantar? Acho que Germa só vai voltar quando sairmos da cozinha.
— Pobrezinha, acho que ela merece férias depois dessa. — Deve ter sido difícil para ela ver Logan esmurrando um garoto por ter batido em Lily.
— Quem sabe? Ela e o namorado podem tentar o Hawaii esse ano. Dizem que lá tem ótimos afrodisíacos.
— Logan!
— O quê?!
   Ele simula desentendimento mas qualquer um sabe que ele estava se referido a sexo e eu não preciso da imagem de Germa transando em minha mente.
— Eu quero Macdonald's, se não for incomodar o casal. — Debocha Lily. Reviro os olhos para ela.
— Você é bem vinda sempre, sabe disso.
   E talvez, por um milagre e muita paciência, as coisas possam finalmente se resolver. Eu torço por isso, torço que minha família possa ficar unida.

Nota da autora:

Três de uma vez! Então, o que estão achando? Eu leio todos os comentários, sabia?

XOXO,
Ani Melo.

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