Eu não suportaria nem mais um segundo daquele olhar. Não aguentaria ter que passar a noite inteira sendo alvo daquela pena, da mudança de tratamento, do modo cuidadoso e zeloso.Levantei-me levando meu prato vazio comigo, depois lavei tudo o que eu havia usado. E a todo momento Lorenzo não disse uma palavra.
Não vi quando ele saiu da cozinha, só notei que estava sozinha quando terminei de arrumar o lugar. Ele também não estava no salão, então supus que estivesse no escritório no andar de cima.
Me acomodei em uma cadeira próxima a janela. A chuva havia reduzido, mas ainda assim estava frio. O que se igualava um pouco à como eu me sentia agora.
Senti meus olhos pesarem pouco a pouco, até minha visão ficar um tanto turva. Ouvi os passos de Lorenzo na escada e depois no chão de mármore do salão.
— Tem um sofá no escritório, você pode descansar lá se quiser — disse ele depois de limpar a garganta.
Não me movi ao grunhir:
— Enquanto a você?
— Não estou cansado — respondeu-me.
O escritório era um cômodo não muito grande, havia uma mesa cor de mogno com objetos e papéis em cima, uma estante com livros, certificados emoldurados na parede e um sofá cinza no canto.
Não fiz cerimônia ao me jogar nele, minhas costas relaxando em agradecimento. Lorenzo caminhou até a mesa e se sentou na cadeira de couro atrás dela, carregando consigo o livro que lia mais cedo.
Deite-me de lado no sofá pequeno me aconchegando mais. Passei a encarar a foto pendurada na parede atrás de Lorenzo. Reconheci Martina e seu esposo, do qual eu já havia visto antes em algumas fotos na pensão, identifiquei a criança sorridente de cabelos claros e deduzi quem eram os adultos mais jovens que seguravam a mão do menininho.
— O que aconteceu com eles? — disparei.
Lorenzo levantou a cabeça e seguiu meu olhar. Quando virou estava novamente com aquela sombra sobre os olhos.
— Ele era arquiteto e ela era fotógrafa, ambos viajavam muito por conta do trabalho e quase nunca ficavam em casa — começou ele. — Meus pais não queriam ter filhos, acreditavam que assim estariam se prendendo em um lugar. Mas aí eu nasci e depois de cinco anos eles não suportaram mais esse peso, partiram durante a noite enquanto eu dormia. — Ele tinha o olhar fixo em suas mãos entrelaçadas sobre a mesa. — Eles sofreram um acidente de carro na estrada e não sobreviveram, então fiquei sozinho com minha avó.
Eu não fazia ideia daquela parte da vida dele. Ser deixado de lado pelos pais, ser considerado um peso, uma amarra. Não ter sequer uma despedida digna. Ele tinha apenas cinco anos.
— Sinto muito por ter passado por isso — falei baixo e sincera.
Ele levantou os olhos, agora acentuados pela luz amarelada do escritório. Estavam profundos e atentos.
— Eu sinto muito também — respondeu no mesmo tom brando. Ele se referia ao aneurisma e ao fato de eu não ter mais uma chance.
Inspirei o ar e fechei os olhos me deixando adormecer.
Acordei com um barulho ensurdecedor soando por todo o restaurante. Meu coração acelerado por conta do susto. Lorenzo dormia com a cabeça apoiada nos braços sobre a mesa.
Me levantei para acordá-lo, mas não foi necessário, porque ele também se assustou e despertou. No mesmo instante ouvimos Martina chamar nossos nomes no andar debaixo.
Descemos as escadas do escritório para ir de encontro ao salão, mas antes que Lorenzo pisasse no último degrau segurei seu braço.
— Por favor, não conte a ela — pedi apressada e nervosa. Na esperança de que ele entendesse o que eu estava pedindo.

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Mila
RomanceCamila é uma garota alegre, esperançosa e aventureira que possui muitos sonhos, ela viaja para a Itália em busca de realizar um deles, abrir um restaurante e fazê-lo famoso. Ela conhece Lorenzo, que ao contrário dela é realista e busca apenas por co...