Capítulo - 28

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Minha mãe tinha organizado um almoço de família na tarde de sábado.

Fazia sol e o clima estava quente, mas bastante agradável. Combinava com a minha família grande e festiva.

Recebemos todos eles no quintal de trás, onde meu pai já comandava a churrasqueira, como ele sempre gostava de fazer.

O ambiente logo ficou cheio de falatórios, música e risadas. Isso sem contar o barulho das crianças correndo por todo lado. Parei por um momento para observar as pessoas ao meu redor e acabei me lembrando de quando Jean descreveu como sua família era animada.

Talvez pudéssemos competir nesse quesito.

Lembrar dele me fez pensar nele. Trocávamos mensagens constantemente, o que nutria nossa amizade. Até combinamos de ler O Pequeno Príncipe juntos uma vez.

Eu sentia saudades dele também, tanto quanto de todos os outros.

Me rendi ao clima da minha família, participando das conversas e trocando risadas. Porém, por mais que gostasse de tudo aquilo, a agitação me deixava um pouco tonta. Por isso não demorou muito para que eu ficasse dentro da casa, isolada por alguns instantes.

O momento sozinha me fez parar para refletir sobre diversas coisas, mas principalmente sobre o meu coração dividido entre os dois lugares que eu chamava de casa.

Meus pensamentos se voltaram para Lorenzo, que havia me deixado confusa desde a ligação perdida, depois com o jeito diferente dele que Martina descreveu, e também o pedido de desculpas e os sorrisos.

Acho que não éramos mais "inimigos", ou não nos odiávamos mais, visto que sequer direcionamos uma palavra irritada para o outro durante bons minutos. Mas quem sabe isso não significasse tanto quanto eu imaginava.

Talvez fosse outra trégua, uma bandeira branca estendida em prol das nossas próprias saúdes.

Fecharam-se dois meses em que eu havia voltado para casa. A minha vida ia bem, eu acho.

Toda semana eu falava com os meus amigos e quase todos os dias Martina me ligava, às vezes até Lorenzo aparecia para dar um oi.

Meus pais passavam o máximo de tempo comigo, como que para compensar o tempo perdido. Fazíamos os mais variados passeios, quando não assistíamos filmes comendo pipoca e jujubas.

Mas naquela noite, seria com Jean que eu assistiria filme.

Preparei o computador enquanto ele ia buscar o lanche dele. Estávamos em chamada de vídeo, o que me deu o privilégio de vê-lo voltar para o quarto correndo.

Não pude controlar a risada.

— Achou que eu não estaria mais aqui?

— Claro, faz um bom tempo que não a vejo. Fiquei com medo de você desistir. — Brincou enquanto se acomodava em seu lugar.

— Não vou a lugar algum, quero ver sua reação vendo filme de terror — respondi, comendo marshmallows.

Jean fez uma expressão desanimada.

— Ninguém falou nada sobre filmes de terror — reclamou como uma criança birrenta.

Dei um sorriso.

— São os melhores, e esse aqui já vai começar.

Ele assentiu, vencido.

Sendo sincera, eu já havia assistido aquele filme zilhões de vezes e o adorava. Então eu tinha certa vantagem quanto às cenas de susto e suspense.

Para mim, o filme foi como comédia, porque eu ficava todo o tempo rindo dos sustos de Jean e o modo como ele brigava com os personagens sonsos.

Mal notei a hora passar, e nem ele, que dormia com a cabeça apoiada nas mãos. Por algum motivo, eu não quis desligar a vídeo chamada e nem desviar os olhos da tela. Encarei os cabelos negros que caiam como nanquim sobre sua pele, a respiração leve e a aura despreocupada.

Eu gostava de Jean, afinal ele era meu amigo. Gostava de sua personalidade fácil e seu jeito tranquilo de lidar, das suas piadas e das cantorias em seu idioma. Gostava de sair com ele e de conversar sobre tudo. E sabia que ele não apenas gostava de mim. Sabia que ele sentia algo mais forte do que gostar. Mas eu não sentia o mesmo, não com a mesma intensidade, ou do mesmo jeito.

O que me levava a pensar no porquê eu não conseguia sentir o mesmo que ele sentia por mim. Ou no que me impedia de gostar dele. O que não me permitia mergulhar naquela mansidão.

Talvez, lá no fundo, meu coração já soubesse a resposta antes mesmo de mim.

Mila Onde histórias criam vida. Descubra agora