Capítulo - 63

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A ignorância, eu concluí, era de fato uma benção.

Na minha situação, o conhecimento e o entendimento me proporcionavam uma dor completamente diferente e assustadora.

Talvez seria melhor partir sem saber que um fantasma, um monstro invisível, me ameaçava constantemente. Partir sem carregar o peso do sofrimento, e não apenas o meu, mas de todos ao meu redor.

Saber que seus dias estavam contados não fazia a vida parar de correr, tampouco gerava ânimo para viver em alguns momentos. Como naquele em que eu me encontrava neste exato instante.

Havia acordado cansada em todos os sentidos, coisa que impediu-me de querer sair da minha cama quentinha. E é claro que as pessoas foram conferir se eu estava bem.

Consegui expulsar Lorenzo do meu quarto com o argumento de que eu queria comer algo quente e bem temperado, isso tomaria-lhe o tempo e atenção e me daria tempo para pôr os meus pensamentos em ordem.

Eu não queria contaminá-lo com a minha tristeza, precisava transmitir força e aparentar que tudo estava bem.

Não tinha mais medo do que viria. Estava apenas aceitando e sendo grata por tudo o que me foi dado.

Reuni forças para abrir a gaveta do pequeno móvel que ficava ao lado da minha cama. Tinha guardado algo precioso lá e queria conferir se estava como eu havia deixado. Era essencial que chegasse nas mãos certas quando tudo acontecesse.

Duas batidinhas rápidas na porta denunciaram a chegada de Lorenzo duas horas depois de eu ocupá-lo com algo. Fechei rapidamente a gaveta e encolhi-me novamente sob as cobertas.

— Espero que esteja com fome — ele disse entrando com uma bandeja nas mãos.

Lorenzo vestia seu dólmã de cozinheiro e as bochechas estavam um pouco coradas por conta do calor da cozinha. Senti que me apaixonei novamente por ele.

— Não sei o que é, mas está com um cheiro divino — respondi.

Ele arrumou a bandeja no espaço vazio da cama e me ajudou a ficar sentada.

— Senhorita — usou sua voz de chefe de cozinha profissional. — Este é um prato tradicional feito com alimentos nutritivos e com fins medicinais, além de ser incrivelmente saboroso. — O jeito pomposo dele me fez rir. — Espero que agrade o seu precioso paladar.

Retirei a tampa que cobria a tigela na bandeja e inspirei o aroma delicioso.

— Obrigada pela sopa e pelas torradas, Lorenzo! — Ri junto a ele.

A simplicidade do prato e o modo como foi feito com tanto carinho me cativaram e até fez bem ao meu ânimo. Era tudo o que eu precisava.

E como tudo o que Lorenzo cozinhava, a sopa estava super saborosa.

Conversávamos enquanto eu comia devagar e dividia minhas torradas com ele, que se sentou à minha frente na cama com as pernas cruzadas. Perguntei-lhe como haviam sido seus últimos dias e ouvi com atenção quando ele contou.

Eu amava aquilo. Estar com ele como se nada estivesse acontecendo ao nosso redor, como se fôssemos intocáveis e inabaláveis. Como se uma grande sombra de dor e medo não nos ameaçasse.

Dividi a última torrada em duas partes e ofereci uma delas em sua boca. Quando terminamos de comer, Lorenzo recolheu a bandeja e a deixou na penteadeira, em seguida se acomodou ao meu lado e ficamos em silêncio.

Lorenzo brincava com minha mão, tentando cobri-la com a sua enquanto eu a livrava do aperto. Nossas risadas bobas se misturando.

— É melhor eu deixar você descansar — ele quebrou o silêncio e beijou minha testa.

Mila Onde histórias criam vida. Descubra agora