Capítulo - 67

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Epílogo

"Querido Lorenzo,

Não me odeie, tampouco odeie você mesmo ou a vida. Morrer é inevitável, e isso faz parte de viver.

Todo esse tempo corríamos contra um relógio invisível, sabíamos que a hora chegaria enfim.

O meu coração é grato por tudo o que compartilhamos e isso não partirá comigo, ecoará nas batidas que agora preenchem e retumbam no seu peito.

Não desista, coração, não se renda. Permita que meu coração ainda ame a vida, e viva por mim.

Há muito mais para viver, Lorenzo. Então vá e viva, meu amor.

Você foi a coisa mais linda que a Itália me deu. Amo você.

Mila"

Lorenzo

No dia em que ela morreu o sol ousou brilhar, e eu senti raiva por isso. Por todo aquele brilho cheio de vivacidade cobrindo a terra, enquanto debaixo da mesma jazia quem iluminou a minha vida nos dias contados que nos foram dados.

Senti o coração pulsar forte em meu peito.

Não, eu estava errado. Eu ainda a tinha comigo, bem aqui dentro, ainda pulsando vida. Para mim.

Não pude comparecer à cerimônia devido a cirurgia recente, mas Tommaso me contou cada detalhe sobre o funeral de Mila e a exigência que ela havia feito antes de partir para que todos fossem com cores alegres. Assim o dia não seria lembrado como em preto e branco, mas com o entusiasmo e o vigor que um dia transbordou de Mila.

Agora eu encarava as flores amarelas em meio a tantas outras também coloridas.

Meu novo coração pulsou forte novamente. Levei a mão ao peito, bem onde as batidas ressoavam, como se eu pudesse tocá-la.

Naquele momento, fiz uma promessa para ela que somente eu poderia cumprir. Eu levaria seu coração pelo mundo, experimentando as belezas e provando de felicidades.

Eu tornaria o mundo conhecido ao seu coração, aquele pedacinho que eu tinha dela e que eu sempre amaria.

O coração de Mila parou, para então voltar a bater no meu peito.



Anos depois

A cozinha do Romano's estava preenchida por aromas diferentes, mas que combinavam ao mesmo tempo, entravam em uma sintonia única. O calor tão familiar parecia me embalar e acalentar, tanto quanto cozinhar.

Os ruídos externos eram bloqueados quando minha mente estava focada no que minhas mãos faziam. Aquela era a minha bolha particular, era o mundo em que eu entrava quando decidia criar algo, quando colocava os meus sentimentos no que cozinhava. Era a minha arte e a minha maneira de amar.

Enquanto eu selecionava as cerejas doces e vermelhas para uma sobremesa, deparei-me com uma mãozinha de dedos gordos pegar uma das frutas. Tão sorrateiramente que me causou boas gargalhadas.

Me virei para ver a garotinha que mal chegava a altura da minha cintura, suas chiquinhas balançando quando ela pulou de susto ao ser pega em sua travessura.

— Parece que temos um ratinho rápido e esperto aqui — brinquei.

A menina sorriu mostrando seus dentes infantis coloridos de vermelho, as bochechas sujas denunciavam que ela já havia provado de outros pratos segundos antes. Escondido também, eu suspeito.

Peguei-a nos braços e a coloquei na bancada onde eu trabalhava.

— Que tal me ajudar com essa torta, bambina*? — sugeri, sabendo que ela adoraria a ideia.

Os olhos da pequenina brilharam de empolgação. Ela logo pôs a mão na massa, cozinhando junto comigo.

Quase uma hora depois, Giordana entra esbaforida na cozinha fazendo as portas vai-e-vem balançarem atrás de si. Os olhos dela focaram na criança ao meu lado, como uma leoa procurando seu filhote.

— Camila! — exclamou. — O que foi que eu disse sobre fugir?

A menina resmungou e precisei conter o riso diante da situação.

— Mamãe, eu queria ajudar o tio Romano! — a pequena Camila exclamou de volta com o mesmo temperamento de sua mãe.

Giordana suspirou e massageou as têmporas com os olhos fechados em impaciência.

— Ao menos me avise antes de sair correndo por aí.

— Posso avisar enquanto eu corro? — indagou a menina.

Dei risada do modo arteiro e astuto com que ela falou, assim como de seu sorriso travesso faltando um dos dentes da frente.

Giordana estreitou os olhos para o desafio da filha, o que foi o suficiente para a pequenina suspirar em rendição.

— A fera quer que eu vá embora, tio — a menina sussurrou para mim, torcendo o nariz em desânimo.

— Então é melhor não testar se ela pode cuspir fogo ou não, bambina* — sussurrei de volta apertando seu narizinho.

Ajudei a garotinha a descer da bancada, recebendo um abraço rápido antes de ela correr novamente da mãe.

Mi dispiace* — Giordana riu apontando para a filha.

Balancei a cabeça sorrindo de volta.

— Não é problema algum, gosto de ensiná-la — respondi sincero. A garotinha havia se tornado especial para todos os nossos amigos, e para mim ela era como um anjinho do qual eu cuidaria sempre. — Pode trazê-la sempre que quiser, minha avó adora as visitas da pequena Camilita — completei, usando o apelido que nós demos a ela.

Giordana assentiu agradecida e despediu-se, para então correr atrás da filha.

Não dava para negar que a pequena Camila tinha talento para cozinhar tanto quanto Giordana. Eu via aquela mesma empolgação, o mesmo brilho ávido por criar, a mesma criatividade implorando para ser liberta. A minha Mila também tinha essa essência.

Mila teria amado a filha de Giordana, da qual possuía seu nome em homenagem. E, apesar de não serem parecidas e só terem o amor pela culinária em comum, elas seriam ótimas amigas.

Após finalizar o prato lavei as mãos e fui para o salão, onde o movimento era grande. Observei o lugar pensando no quanto Mila teria adorado a nova decoração e a mudança no menu.

Dias após sua morte lembrei-me de quando ela recebia "pedidos especiais", o código para pratos brasileiros. Isso me levou a criar um segundo menu para o Romano's com esse código, inteiramente dedicado à Mila e sua intensidade em viver.

Ela havia me ensinado muitas coisas, tanto em relação à culinária quanto em relação à vida. Ela me ensinou a não desistir, a não parar mesmo que o mundo esteja desabando ao meu redor. Mesmo que a vida me desafie.

Meu coração bateu forte, porque havia muito mais para viver.



Fim

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TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*

Bambina - Criança; menina

Mi dispiace - Me desculpe

Mila Onde histórias criam vida. Descubra agora