Era final de tarde e o sol entrava na pensão pela janela da sala, invadindo e iluminando tudo com seus raios crepusculares.Assistíamos televisão enquanto o assado do jantar não ficava pronto. Lorenzo estava encostado em mim ao meu lado no sofá, sua mão traçava círculos preguiçosos no dorso da minha própria mão.
Eu não tive uma noite boa de descanso e não acordara muito melhor, de modo que repouso era tudo o que eu mais queria. Por isso a tarde de filmes.
Tal como muitas coisas na vida, foi inesperado quando meu peito começou a arder, como se chamas invadissem os meus pulmões, impedindo-me de respirar livremente. Levei as mãos ao peito enquanto tossia e inspirava com tamanha dificuldade, sem entender o que acontecia.
Parecia que eu havia engolido o próprio sol.
Todos os que estavam presentes vieram ao meu socorro imediatamente, apesar de tornarem-se borrões diante dos meus olhos e apenas vozes distantes antes que eu desmaiasse.
Por mais que eu tivesse imaginado como seria o momento da minha partida, não passou pela minha cabeça que doeria... e depois não mais.
Acordei no hospital, desorientada e com muita sede.
Fui rodeada pelos meus fiéis acompanhantes no momento em que abri meus olhos. Meus pais, com os olhos carregados de preocupação, sorriram ao me ver consciente.
Dormi por dois dias inteiros depois de desmaiar na pensão, descobri. Isso foi um grande susto para a minha família, quem sabe um aviso. Um teste do que estaria por vir.
Passei por alguns exames que minha mãe insistiu para que realizassem, coisa que não me surpreendeu. Embora todos já soubéssemos que não havia saída nem solução para o meu problema.
Contudo, apesar de ter sofrido horrores nas últimas semanas com meu corpo definhando aos poucos e se rendendo, agora eu já não sentia mais nada. É claro que estava fraca, mas fora isso eu não sentia dores, nem o peito arder, sem náuseas ou qualquer outro sintoma terrível que pudesse me acometer.
Considerei uma benção de partida. Como o arco-íris após uma tempestade devastadora.
Lorenzo me fazia companhia naquele final de dia. Jogávamos xadrez em cima da minha maca, eu estava com a vantagem.
Em dado momento, enquanto eu pensava na minha próxima jogada estratégica, notei seu olhar fixo em mim sem mesmo precisar levantar a cabeça para saber. Como se, para ele, não houvesse mais nada para olhar.
— O que será que se passa nessa cabeça? — indaguei movendo a torre.
— Você está bem? — disparou. — Quero dizer, com tudo isso.
Eu sabia do que ele estava falando, tinha até uma boa resposta para sua pergunta. Porém, ao erguer os olhos, estaquei.
Balancei a cabeça, dando de ombros. Quem poderia estar, afinal?
— Mila — sussurrou. Lorenzo alcançou minha mão por cima do tabuleiro de xadrez, bagunçando todas as peças. — Sei que você é forte e que...
— Não sinto nada, Lorenzo — interrompi-o. — Quero que saiba que eu não sinto absolutamente nada.
Suas sobrancelhas se franziram. Não pude deixar de sorrir diante daquele pequeno gesto que eu tanto amava.
— Você... Você quer dizer que não está com dores ou qualquer outra coisa?
Confirmei com a cabeça e um sorriso.
— Acho que o meu destino é partir em paz — brinquei.
Apesar da "boa notícia" ele não pareceu aliviado. E eu não esperava que estivesse, afinal ele perderia seu grande amor.
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Mila
RomanceCamila é uma garota alegre, esperançosa e aventureira que possui muitos sonhos, ela viaja para a Itália em busca de realizar um deles, abrir um restaurante e fazê-lo famoso. Ela conhece Lorenzo, que ao contrário dela é realista e busca apenas por co...