Capítulo - 25

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Olhei através da janela. O sol da tarde deixava as casas com um aspecto alaranjado. Eu costumava adorar isso.

Não dava para negar que algumas coisas haviam mudado depois de meses na Itália. Voltar para casa foi como acordar de um sonho longo e perfeito. Agora era como se eu enfrentasse uma realidade diferente.

Porque tudo havia mudado, inevitavelmente.

Suspirei me afastando da janela. Já faziam duas semanas, era tempo suficiente para uma pessoa retomar uma rotina ou criar uma nova. Mas não era o que estava acontecendo comigo. Acostumada com a agitação do restaurante e os dias na pensão, me vi um tanto quanto sem rumo quando cheguei. Pensei que fosse passar em alguns dias, só que não foi assim.

Era como se eu tivesse vivido uma vida toda na pensão Belini. Como se as coisas sempre tivessem sido como eram lá.

Quem sabe o meu coração ainda estivesse por lá.

Mas eu tinha de aceitar que agora eu estava de volta, estava em casa e teria que me acostumar com esse fato.

Meus pais ficaram assustados e ao mesmo tempo empolgados com a minha chegada surpresa, me abraçaram e me encheram de beijos e perguntas. Passei a primeira semana contando tudo sobre meus dias na Itália, mostrei fotos e entreguei os presentes que eu havia levado. Em meio aos presentes encontrei algo que não me lembrava de ter comprado, algo que deduzi ser de Matina. Ela deve ter colocado na minha mala furtivamente.

O embrulho estava nas minhas mãos agora, ainda com o lacinho. Não encontrei coragem para abrir antes, temi que eu começaria a chorar de saudades e não conseguiria mais parar.

Respirando fundo, desfiz o embrulho de uma só vez, como se estivesse arrancando um curativo.

Era um pote pequeno cheio de geleia de morango silvestre que me deu água na boca. Acompanhando, vinha um cartãozinho com os dizeres:

"Tão singular quanto você — L."

Meu coração bateu descompassado. Aquele presente não era de Martina, era do neto dela. Era de Lorenzo.

Observei a caligrafia bem desenhada e o modo como as letras pendiam para o lado direito. Aquela era a letra dele e, de alguma forma, não poderia ser mais parecida com ele.

Quando ele havia comprado aquilo? Tinha planejado fazer isso? Se sim, por quanto tempo ficou planejando? O que o motivou a me dar um presente? E como ele sabia que eu gostava de morango silvestre? Aliás, ele sabia ou tinha sido um palpite de sorte?

Balancei a cabeça afastando as perguntas que me assombraram. Foquei mais uma vez no cartão. Ele me achava singular, isso podia ser bom e também podia ser ruim. Mas também significava que ele achava que eu era única, porque era o que singular significava, não era? Me perguntei se essa era a visão que ele tinha de mim.

Fiquei repassando o momento no aeroporto incontáveis vezes desde que fui embora. O modo como seus olhos tinham ficado expressivos, as palavras que lhe fugiram, o toque de sua mão que parecia ter permanecido no meu pulso até agora.

"Você volta?"

Eu ainda podia ouvi-lo fazer a pergunta. Ainda lembrava da forma como ele tinha abaixado as barreiras durante aqueles poucos segundos que pareceram horas.

Não. Eu não podia ficar pensando nele. Porque quase nos odiávamos.

Me recompus tentando, inutilmente, acalmar meu coração acelerado. Deixei o pote de geleia em um lugar na cozinha onde eu não o visse frequentemente, onde nem me lembraria depois.

Minha mãe quis tomar um chá comigo à noite enquanto colocávamos a conversa em dia. No momento, eu estava aconchegada na poltrona da sala ouvindo ela dizer como foi quando eu não estava em casa.

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