Fui recebido com um olhar surpreso e, em seguida, um sorriso. Mais uma vez fui cativo dos seus olhos e creio que ela dos meus. Mas, ela logo os desfez, e foi nos receber à porta de sua casa. Não deixei de sorrir quando ela me elogiou, mesmo não estando tão diferente do habitual. O vestido amarelo combinava muito bem com a pessoa que ela era: sempre radiante, mas não o pude dizer porque estava envergonhado demais para isso.
Eu não faria isso, normalmente.
Entramos na casa, e as duas mulheres pareciam muito entusiasmadas por terem um momento juntas depois de alguns anos. Era um lugar simples e acolhedor. Observava cada detalhe daquele lar, dos quadros com fotografias da Olívia quando era mais nova, até uma porta mais ao fundo, com “Olívia” escrito nela, onde deduzi ser o quarto dela. As três interagiam de uma forma incrível, como se aquilo era uma conversa comum no final do dia entre amigas de longa data. Bem, pelo menos nossas mães eram.
Eu estava feliz por estar ali, mas aquele ambiente não me parecia correto. Provavelmente porque não pertencia àquele meio. Era como se o meu eu se tivesse dividido em dois e eles lutavam entre si para verem qual era que iria dominar-me. Naquele momento eu não tinha uma opinião, não sabia como reagir; não me reconhecia. Tinha pensado nisso desde manhã
— Gabezinho, podes ir fazer umas compras para a mãe?
— Gabezin- — Suspirei depois de ouvir aquele apelido ridículo. — De onde a senhora tirou isso?
— Não te lembras? Os meninos costumavam chamar-te assim. E tu insistias que eu fizesse o mesmo.
— Isso foi há anos. Por quê trazes isso á tona agora? — Ela notou que fiquei desconfortável por ela ter mencionado um assunto que eu evitava a todo custo.
— Desculpa, filho. Eu não queria…
Respirei fundo e olhei para a mulher que parecia preocupada por ter falado uma besteira para seu filho cabeça dura. Ela, certamente só queria animar-me, mas escolheu um péssimo método para o fazer. Aproximei-me dela a abracei-a. Ela demorou para atribuir, possivelmente estava surpresa por receber um abraço meu. Quis acalmá-la, e a mim mesmo, pois parecia que a minha mente tem enfrentado a si própria. Afirmei que estava tudo bem e que ela não me tinha magoado. Ela não me soltava, e não era como se eu quisesse desfazer aquele gesto, mas deu para perceber que ela necessitava daquilo. O pai estava fora há quase duas semanas e ligou umas poucas vezes. Claro que ela ia sentir-se sozinha, e eu não a podia deixar também.
— Eu te amo, Gabriel. — Ela estava soluçando e a abracei mais forte.
— Eu também te amo, mãe. Desculpa. — Desfizemos o abraço e ela bagunçou o meu cabelo, dizendo que não precisava me desculpar.
Depois de jogar algumas conversas fora, lembramo-nos de que ela precisava que eu fosse ás compras. Ela deu-me uma pequena lista e o dinheiro que precisava. Lembrei-me da Sarah e que não a tinha visto desde a manhã. Eu estava no meu quarto desde o momento que acordei, estudando. Quando saí, encontrei-a regando as plantas, como já havia deduzido. Acenamos um para o outro e caminhei até ao mercado que não ficava muito longe de casa. Era um lugar que, quando criança, ia com alguma frequência, com a mãe ou com a Sarah. Sempre fazia o mesmo caminho para aquele lugar, mas naquele dia resolvi usar outro trajeto, que passava pela igreja.
Pensava em como a minha vida estava mudando de uma forma que eu não conseguia controlar. Em algumas horas estaria na casa da Olívia e a nossa relação estava diferente, algo que eu nunca iria imaginar. Conheci os irmãos Stephens e eles eram muito simpáticos, mesmo eu não retribuindo a simpatia deles. Reencontrei-me com a Kaylie, depois de tanto tempo e senti aliviado ao saber que ela não me odiava como eu pensava.
Cheguei na loja e, como não havia muito para comprar, não demorei ali e voltei para casa fazendo o mesmo trajeto que antes. Dessa vez, estavam alguns rapazes conversando na entrada da igreja. Observei-os por alguns minutos, e eles pareciam muito felizes e animados. Não compreendi o contexto da conversa, mas percebi que eram uma banda ao ver alguns com instrumentos. Voltei a caminhar, questionando se algum dia estarei rodeado de amigos com quem eu pudesse rir, quando ouvi o meu nome.
— Gabe! — Voltei-me para trás e vi o Nate acenado para mim. Naquele momento virei o centro das atenções.
— Oi. — Acenei de volta e, quando pensei que podia ir embora, ele correu em minha direção.
— Então, o que achaste do show de ontem?
— Eu… gostei. Foi divertido. — Disse sem jeito. Não conseguia olhar diretamente para o garoto.
— Ah! Fico feliz em saber isso. — Disse com um grande sorriso. — Vais por aqui? — Apontou para o caminho que estava indo e eu assenti. — Então vamos juntos! Adeus, malta! Não se esqueçam do ensaio amanhã! — Disse aos outros, que acenaram para ele.
Durante o caminho houve intervalos de silêncio e de monólogos, porque o Nate sempre puxava um assunto para falarmos, mas eu apenas balançava a cabeça como resposta. Eu queria puder ser mais aberto e deixar as palavras fluírem, mas não conseguia. Estava ao lado de uma pessoa completamente diferente de mim e não sabia como reagir, algo que não era típico de mim. Normalmente não me importaria de dizer palavras que o poderiam machucar. Talvez porque eu desejava que ele fosse mais do que um colega de grupo.
— Estás bem? Pareces pensativo.
— Estou sim. Só estava a olhar para aquela árvore. — Menti. — Está quase sem suas folhas.
— Sim. Eu não sou muito fã dessa época do ano. Odeio frio! — Disse, aquecendo-se. — Mas, em todas as estações consigo perceber com o Criador é incrível! Quero dizer, daqui a pouco teremos a neve, e depois as flores a desabrochar, mais tarde poderemos ir à praia e ter um pouco mais de sol. E em cada uma dessas épocas, Ele mostra como tudo o que Ele criou é bom e perfeito. — Ele olhava fixamente para o céu com um sorriso.
Eu percebi de quem ele falava. Ultimamente tenho ouvido bastante o nome Dele, e não sabia se aquilo era bom ou não. Mas, para eles, Deus parecia tão próximo. Eles pareciam completos, satisfeitos, felizes. Era como que eles se encontravam todos os dias e conversavam como amigos íntimos, mas para mim Ele não estava lá. Eu não O percebia e se Ele fosse de fato real, Ele com certeza não queria estar perto de mim.
— Eu não entendo. — Ele olhou para mim confuso. — Como é que consegues acreditar nisso? Nem se quer O vês.
— Eu não preciso ver para crer, Gabe. Eu tenho fé que Ele é real. Eu sei que Ele é! — Estávamos parados olhando um para o outro. — Já passei por muitas situações em que Ele se manifestou para mim. Agora eu não consigo deixar de crer, nem me imagino desconfiando de Sua existência.
Permaneci cabisbaixo, sem saber o que falar. Ficara ainda mais confuso e só queria correr para um lugar onde a minha mente pudesse descansar, onde não haveria ninguém para me perturbar. O Nate pousou sua mão no meu ombro e quando olhei para ele, seu olhar cheio de ternura e seu sorriso sereno acalmaram o meu coração e tive uma sensação de estar a ser consolado, não por ele, mas não estava ali outra pessoa.
— Se quiser conversar sobre isso ou qualquer outra coisa, estou aqui para você. — Assenti, ainda com aquela sensação de estar a falar com outra pessoa. — Eu vou por aqui. Vemo-nos na escola! – Ele foi embora e eu voltei para casa.
Mais uma vez aquele sentimento de estar completamente perdido e não reconhecer a pessoa que via constantemente no espelho. O que estava acontecendo comigo? Por que a minha vida parece tão diferente daquilo que sempre fora? Aquela curta conversa com o Nate, aquele encontro inesperado com a Kaylie, e a sensação de inquietação quando olhava para aqueles olhos, cuja dona estava ganhando espaço na minha vida, sem eu a poder controlar.
— Gabriel? Está tudo bem? — Quantas vezes as pessoas já haviam me perguntado isso hoje? Andava perdido em meus pensamentos, que por segundos esqueci onde estava.
— Sim, está tudo bem. — Olívia não se deu por convencida e continuou preocupada. — A sério. — Formei um leve sorriso enquanto olhava para seus olhos, e ela sorriu de volta.
— Então, vamos comer? — Disse a Isabela, mãe da Olívia, e fomos todos para a cozinha.
Durante a refeição pude conhecer um pouco mais da garota que antes considerava insuportável, através de sua mãe que não abriu mão de fazer a filha ficar envergonhada com as histórias de infância da mesma. Claro que não deixei de rir a algumas delas. Não permitindo que a coitada sofresse sozinha, a mamãe acabou expondo algumas situações minhas e mencionou até o apelido que usara mais cedo, mas não me incomodou dessa vez.
Depois as duas mulheres contaram-nos como se haviam conhecido e tornado grande amigas. Elas se conheceram na faculdade e eram muito próximas. Mas, imprevistos aconteceram: elas se apaixonaram, e para Isabela uma filha estava a caminho. Não foi de todo ruim, porque ela já tinha terminado o curso, mas as coisas pioraram quando o namorado irresponsável a abandonou e ela teve de mudar-se. Mãe e filha se olhavam e sorriam uma para outra. Eu entendia o que era ter um pai ausente, mas não sei se podia igualar as nossas situações, já que eu odeio o meu pai, e ela provavelmente não.
Quando terminámos, ajudamos a arrumar a mesa e a Olívia foi dispensada de lavar as louças.
— Eu e a tua mãe temos ainda muito para conversar! Podes ir ter com o Gabriel. — Lancei um olhar repreensivo para Paula, mas ela ignorou-me.
— Sim, por que não vão lá atrás? — Suspirando, consentiu e caminhou até mim.
— Se não quiseres vir podemos ficar aqui na sala. — Ela disse, envergonhada.
Dizer que não queria seria mentira. Pouco a pouco a Olívia fez-me apreciar estar com ela. Não sabia se era eu quem começara a mudar, ou ela, ou ambos, mas algo estava diferente, e em meio tanta bagunça da minha mente eu sabia que gostava daquilo.
Disse que podíamos ir, e ela conduziu-me até um pequeno espaço na parte de trás da casa. Era um relvado e o ar que ali circulava era fresco. Um lugar perfeito para acalmar minha alma que andava agitada. A Olívia tirou seus sapatos e deixou seus pés pisarem aquela grama húmida. Parecia uma criança que encontrara o paraíso e eu a observava de longe.
— Vem cá! — Ela convidou-me com um gesto e comecei a caminhar. — Stop! Sem os sapatos. — Ela sorriu.
— Estão quase 11 graus, Olívia. — Disse indignado. — Posso ficar doente.
— Logo vemos isso. — Ela claramente não se importando com o estado de ambos mais tarde. — Por favor.
Depois de muito pedir, desatei o sapato, ainda ponderando se devia ou não fazer aquilo, mas antes que eu pudesse desistir, ela segurou o meu braço e puxou-me, fazendo meus pés entrarem em contacto com a grama fria.
— Por quê!? — Reclamei.
— É gostoso, não é?
— Nem um pouco. — Ela soltou uma gargalhada e voltou a correria. Pensei em voltar a calçar os sapatos, quando aquela criatura resolveu provocar-me.
— Então, Gabezinho. — Era notável a malícia em seu olhar. — Ah, que fofo. — Ela riu alto.
— Não me voltes a chamar assim! — Estava um pouco irritado com aquilo, mas ela conseguiu deixar tudo tão leve.
— Está bem… Gabezin-
— Okay, tu vais ver!
Começou a saga de perseguir a garota. Andávamos em círculos e, apesar de não ser tão rápida quanto eu, era ágil, conseguindo escapar sempre quando estava prestes a alcançá-la. Minha mente estava vazia. Já não me lembrava do frio ou de meus pés descalços. Apenas queria aproveitar aquele momento, ver seu sorriso e sorrir de volta.
— Nunca vais vencer- Ah! — A garota caiu e corri preocupado em sua direção.
— Estás bem? — Agachei-me e ajudei-a a levantar. — Em que tropeçaste?
— No meu próprio pé. — Não conseguimos segurar o riso e ficamos ali por mais alguns minutos relembrando aquilo.
Parecia que ia ficar ainda mais frio, então resolvemos entrar, e as duas mulheres que conversavam na sala não nos viram, porém nós ouvíamos o diálogo. Por um milagre as nossas mentes estavam em sintonia e tivemos a brilhante ideia de ficar escondidos atrás da parede e em silêncio, esperando ouvir algum acontecimento embaraçoso de uma delas.
— E o teu marido, Paula?
— Ele está numa viagem de negócios. — Mamãe suspirou e continuou. — Estava me sentindo-me tão sozinha, mas o Gabriel parece estar mais próximo de mim agora. Antes ele também era, mas depois da morte da Beatriz, ele afastou-se completamente. — Estava sorrindo até ouvir a última frase. — Acho que ele ainda se culpa pelo que aconteceu com a menina e não sei como posso ajudá-lo a tirar esse peso de suas costas.
As lágrimas já estavam rolando pelo meu rosto. Aquelas memórias que eu tentava esconder debaixo do tapete, voltaram a inundar a minha mente, e com elas os demais questionamentos que venho fazendo. Sentei no chão, sentindo meu corpo enfraquecer-se.
— Sky… — Disse entre soluços e baixinho. — desculpa, eu- — Fui interrompido pelo abraço da Olívia e não pensei duas vezes em retribuir, ainda chorando.AAAA FINALMENTE! Pensei que não iria conseguir postar hoje, mas graças a Deus eu consegui!
Capítulo grandinho como merecido. O que acharam?! Me emocionei escrevendo esse aqui ( つ﹏╰)
*nossa Lívia (⸝⸝ᵕᴗᵕ⸝⸝)*
Beijos e abraços quentinhos(。>‿<。)
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Meu Oceano
Spiritual: 𓏲🐋 ๋࣭ ࣪ ˖✩࿐࿔ 🌊 "Os dias são sempre tristes" - Gabriel Wall Gabriel acreditava que com o seu jeito melancólico e frio, as pessoas afastariam dele facilmente, sem que ele precise se esforçar muito. Porém, isso foi diferente com Olívia, uma me...