Capítulo 1: Morte

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Quando morremos vamos para um mundo exatamente como o nosso. Entretanto, nesse mundo não existe maldade, morte, guerras, fome ou qualquer outra coisa que provenha do Mal. Esse lugar é guardado pelos Anjos e Arcanjos do Senhor, para que o Mal nunca invada. A principal regra desse mundo é: "nenhuma alma mortal tem permissão para lembrar-se de sua vida terrena", assim nenhum morador dessa utopia se lembraria do que é pecado e, portanto, não se corromperia. Esse é o Paraíso.

Não havia exceção à regra, até que uma nova alma adentrou o Paraíso.

Essa alma era a minha.

Eu morri no dia cinco de março de dois mil e onze. Eu tinha apenas dezoito anos. Tinha uma vida toda pela frente. Estava no primeiro semestre de faculdade; tinha uma namorada chamada Elena, a quem eu amava muito.

Na noite anterior a que morri nós voltávamos de uma festa. Elena, um grupo de amigos e eu descíamos uma rua escura no centro de São Paulo por volta das três da manhã. Como o metrô estava fechado, estávamos procurando um taxi. Mas, àquela hora da madrugada, era praticamente impossível encontrar uma alma viva na rua.

– Cara, nunca vamos achar um taxi a essa hora. Acho que devemos ficar na porta do metrô até abrir. – Sugeriu Felipe, um rapaz alto de traços fortes; sua voz, porém, não era tão grossa, era como se todo seu corpo tivesse se desenvolvido, mas suas cordas vocais não.

– Acho uma boa ideia. Qual a estação mais próxima? – Eu disse.

– Trianon-Masp. – Disse Elena.

– Leo – um amigo me chamou –, você tem alguma música do Bullet For My Valentine?

– Tenho algumas. – Joguei meu celular para ele. – Dá uma olhada aí.

Chegamos à estação sem problemas. Elena e eu nos sentamos um pouco mais afastados dos outros para termos um pouco mais de privacidade. Elena é uma garota extraordinária. Linda, esforçada e inteligente. Ela tinha os cabelos muito castanhos, mas para o aniversário de 18 anos ela fez luzes, então ela estava meio loira – e, em minha opinião, ficava melhor em sua cor natural – e seus olhos eram muito castanhos também. Eu sentei de pernas cruzadas, como um índio, e coloquei minha mochila sobre meu colo. Ela pegou minha jaqueta de moletom, fez uma bola, colocou sobre a mochila e deitou de modo que ela pudesse olhar para mim. Comecei a mexer no cabelo dela de modo carinhoso. Ela sorriu.

– Eu te amo. – Eu disse.

– Assim do nada?

– Ué? Não posso dizer que te amo?

– Pode. – Ela sorriu. – Eu também te amo.

Inclinei-me e a beijei carinhosamente. Eu amava muito aquela garota. Se existe esse negócio de alma gêmea e amor verdadeiro, era o que eu sentia por ela. Queria passar o resto da vida com ela. Envelhecer, ter filhos, netos e bisnetos. Todavia, não sabia se o que ela sentia por mim era o mesmo, talvez para ela eu fosse apenas mais um de sua lista, ou não. De qualquer forma, só descobriria após minha morte.

Estávamos ali há alguns minutos conversando quando uma sombra descia a rua em nossa direção. Nenhum de nós o notou.

– Sabe, amor, acho que você deve cortar esse cabelo.

Ela estava com a mão esticada e mexia no meu cabelo. Cortar? Meu cabelo nem estava tão comprido assim. Não estava curto, mas ainda não dava para fazer um rabo de cavalo. Ainda.

– A não... Eu gosto dele assim...

– Mano. Tá aí seu cel. Peguei algumas músicas. – Junior interrompeu.

– Quais?

– Tears Don't Fall, Fever, Curses, Hand of Blood e mais algumas.

– Celular legal, garoto. – Disse uma voz vinda de alguns metros à frente.

Era um rapaz de mais ou menos 20 anos. Ele estava com as roupas rasgadas e sujas, seu cabelo em um estado embaraçador. Seus olhos estavam tão injetados que era impossível até distinguir as cores deles. Ele era um drogado e tinha uma arma calibre .38 na mão. Elena e eu levantamos num pulo.

– Calma, amigo. Pode levar tudo.

– Incluindo sua amiga gostosinha aí.

– Não. – Foi única coisa que a raiva permitiu-me dizer; calibre .38 ou não, ninguém mexia com minha garota.

Junior notou que eu estava ficando nervoso. Ele me conhecia a tempo suficiente para saber que eu odiava qualquer tipo de violência contra uma mulher. Ainda mais se a mulher em questão fosse Elena. Tudo bem que um cara franzino como eu não inspira confiança ou medo, mas ainda assim, ninguém podia mexer com ela que eu encarava qualquer Mike Tyson. Eu me posicionei em frente a ela, porém a parte esquerda dela ainda estava à mostra.

– Amigo, quem está com a arma aqui sou eu. Vem garota ou estouro os miolos do seu namorado.

Ela tentou dar um passo à frente. Eu não deixei.

O homem apontou a arma para minha cabeça. Eu não vacilei.

Comtodo esse drama, ele não percebeu que Junior estava bem próximo a ele. Juniorera um cara grande. Mas grande mesmo.Ele faz academia desde... Sei lá, sempre. Ele também luta jiu-jítsu. Ele agarrou o braço do homem, que com o susto atirou.Naquela noite eu queria que ele tivesse acertado o tiro em mim, mas quem eleacertou foi Elena.

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