Thais não queria soltar o primo de seus braços na plataforma da estação. Não queria que ele fosse embora. Só de pensar nessa possibilidade ela já se sentia sozinha, algo que nunca acontecera antes.
– Por que você tem que ir? – Thais disse em meio às lágrimas.
– Preciso cuidar da minha mãe lá em Nova York. Desculpe-me Thais.
Ela não o soltou até que o trem deu o último apito e seu pai obrigou-a. Contraria a sua vontade, Thais deixou-o ir. Não queria que ele fosse, não queria sentir-se sozinha. Enquanto o trem saía da plataforma, ela chorou desesperadamente, enquanto seu pai tentava consolá-la.
Fitando o vazio pela janela do automóvel, imersa em seus pensamentos e memórias, Thais não ouvia uma palavra do que seu pai dizia. Tanto que ele desistiu de falar. Pensava naquele mês, nas dezenas de livros que ele deixara em casa para ela. Um ano. Ela tinha um ano para ler todos eles.
Chegou a casa e foi direto para o quarto, onde o livro Vinte Mil Léguas Submarinas a esperava sobre o travesseiro. Aquele era seu livro favorito, provavelmente por que John havia lido para ela quando ela estava doente. Abriu o livro na primeira página e leu:
"O ano de 1866 foi assinalado por um acontecimento estranho. Havia já algum tempo que vários navios vinham encontrando nos mares 'uma coisa enorme', um objeto comprido, em forma de fuso, às vezes rodeado por uma espécie de fosforescência, muito mais corpulento e rápido do que uma baleia."
Quando terminou a frase, ela notou que a palavra "baleia" estava levemente sublinhada a lápis. Estranhou. Seu primo sempre dizia que riscar um livro era a maior afronta que qualquer um poderia fazer ao autor ou dono do livro.
Após alguns minutos de leitura, quando estava terminando o capítulo 3, a palavra "sala" estava sublinhada na frase:
"Fiquei muito satisfeito com o meu alojamento, situado à ré e comunicando-se com a sala dos oficiais."
Por alguma razão, ela lembrou-se de um comentário que ele fizera sobre um enfeite na sala de estar de sua casa que tinha o formato de uma baleia. Ele comentou que amava o mar e os animais marinhos, Thais então se lembrou de ter comentado que ela conseguia esconder várias coisas dentro daquela baleia, principalmente doces.
Marcou a página que estava lendo e foi até a sala, onde pegou a baleia da prateleira, posicionou-a de ponta cabeça e abriu, com dificuldade, a tampinha que havia ali. Tirou do ventre da baleia uma chave e um bilhete, guardou-os no bolso do leve casaco que usava e recolocou o enfeite na posição original.
De volta ao seu quarto, ela sentou na cama e tirou os objetos recém-adquiridos do bolso. Abriu o bilhete escrito em um papel fino, semitransparente. Escrito na letra de John, um recado:
"Querida Thais,
Se você estiver lendo isso, significa que eu já fui embora e você decidiu ler o 20 Mil Léguas Submarinas, meu livro favorito, diga-se de passagem. Doeu-me muito na alma ter que riscar aquelas cinco palavras, mas todas elas servem para te ajudar na pequena tarefa que deixo para ti após meu retorno para casa. Você possui uma inteligência incrível, algo que poucos Walker, nossa família, possuem. Eu criei um pequeno jogo de charadas que irá levá-la a um tesouro mágico incrível que eu mesmo trouxe de Nova York. Siga as pistas.
Aqui vai a primeira:
Está sempre dando voltas, mas nunca sai do lugar.
Boa sorte."
Era óbvio. Ela virou-se e encarou o relógio, um imenso objeto de madeira bruta vernizada com um pêndulo dourado, que dentro dele ia para o outro, atrás do vidro. Um relógio que era grande o bastante para que ela entrasse.
Abriu a porta do relógio, o que tornou seu tic-tac ainda mais alto. Notou um objeto no fundo junto com um pequeno pedaço de papel que dizia apenas "Parabéns! Não desista! Boa sorte!" Sob ele havia um pedaço de madeira velha pintada com um vermelho desbotado. Não entendeu. Esperava encontrar outra charada, e não aquilo.
Deitou em sua cama frustrada com o pedaço de madeira em sua mão. Fitava-o, tentando descobrir o mistério por detrás dele. Deixou-o de lado e releu a carta que John havia deixado com a primeira pista. "...cinco palavras..." ele disse ter sublinhado. Ela lembra-se apenas de ter lido duas. Pegou o livro.
A palavra "animais" no capítulo seis estava sublinhada. Levantou os olhos do livro e olhou para madeira avermelhada. Então entendeu. Já sabia onde devia ir. Com o livro em mãos, ela correu para a estrebaria, onde ovelhas, vacas, bois, cavalos e galinhas conviviam pacificamente.
Parou diante da porta e reparou que faltava um pedaço próximo a maçaneta dela. Testou o pedaço que tinha em mãos, o qual se encaixou perfeitamente a porta. Perguntou-se como o primo havia conseguido arrancar aquele pedaço. Abriu a porta de correr e entrou. Alguns animais cochilavam ou comiam ou bebiam ou simplesmente mastigavam algo em suas respectivas baias. Ela procurou qualquer coisa que estivesse fora do lugar, algo que poderia ser sua pista, no entanto nada encontrou. A estrebaria era grande e provavelmente a pista devia ser algo pequeno ou um papel. Era provável que no livro a quarta palavra deveria ser uma pista para encontrar aquela pista. Sentou em uma pilha de feno confortavelmente, abriu o livro onde tinha parado e passou a ler.
Várias horas depois, ela encontrou na página cento e quarenta e sete o que procurava na seguinte linha: "Num terceiro, um soldado com o sabre e, finalmente, num quarto, um cavalo com o seu cavaleiro". "Cavalo" estava sublinhado. Levantou os olhos para os imponentes garanhões que a fitavam com desdém. Marcou a página e fechou o livro.
Não encontrou nada na baia de nenhum dos cavalos. Será que ele estava tirando sarro dela? Ou não teve tempo o bastante para terminar aquele puzzle? Ela se afastou, de modo que conseguia ver todas as baias em uma visão mais ampla. Foi quando viu uma seta apontando para um dos cavalos. Estava ali. Entrou na baia do referido cavalo e procurou de novo, em vão.
– Ei! O que você está fazendo com Oz? Ele não pode ser incomodado! Está muito doente. – Ela ouviu um dos funcionários da fazenda vindo com a cara irritada em sua direção.
– Me desculpe! Eu não sabia. – Explicou-se. – Espera, como é o nome do cavalo? – Perguntou saindo da baia.
– Oz. – Ela olhou-o com olhos zombeteiros. – Não julgue. Não fui eu quem escolheu os nomes.
Ali estava sua pista. Oz. Sorriu e respondeu ao homem: – Obrigado!
Ela saiu da estrebaria e voltou ao seu quarto, onde, na prateleira, dezenas de livros estavam enfileirados. Havia vinte e dois livros da Terra de Oz. Seu coração desanimou. Era cansativo ter que ler tantos livros. Talvez a última palavra no Vinte Mil Léguas pudesse ajudá-la. Quando deitou na cama e passou a ler o livro, o relógio marcava cinco da tarde.
– Thais! – Ouviu sua mãe gritar da cozinha; ela parecia desesperada.
Com o susto, a garota olhou a página em que estava, jogou o livro na cama e correu até onde sua mãe estava. O rádio estava ligado e a notícia que estava sendo falada chamou a atenção da menina. O locutor dizia:
"O trem que partiu essa manhã de Dallas com destino final a Nova York descarrilhou hoje quando cruzava o estado de Illinóis. Autoridades locais afirmam que as investigações prosseguem com vigor. Ainda não se sabe o motivo do descarrilamento ou a quantidade de víti..."
A mãe desligou o rádio. Thais estava em choque e sem palavras.
– Mãe... – Sussurrou; as lágrimas surgindo em seus olhos.
A mãe abraçou-a e respondeu à pergunta embutida naquela única palavra.
–Sim. Este era o trem em que estava John.
***
Hey there, Verne's fans
Hoje (tecnicamente, ontem) é dia de Afterlife. Sei que atrasei um pouco, mas é que hoje tive um dia cheio! Apenas para vocês terem noção, eu saí de casa as 9:30 e só cheguei agora. Pois é.
O que importa é que está online e que vocês gostem! (E votem haha)
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Afterlife
FantasíaPágina oficial: https://www.facebook.com/afterlifesagaoficial/ Curta para não perder as novidades! *** Morte não é fim. De fato, para mim, a morte foi apenas o começo. As circunstâncias nada convencionais do dia em que morri me permitiram chegar a C...