Capítulo 6: Eva

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Amor é algo complicado. Você nunca sabe o que é capaz de fazer por ele. O que eu estava prestes a fazer, nunca imaginei que faria. Um cara magricelo como eu, com menos de 1,70 de altura e sem força alguma iria atiçar um dragão para criar uma distração boa o suficiente para que milhares de almas e anjos não prestassem atenção em mim; todos ao mesmo tempo. Ou, pelo menos, era o plano de Týr, a fada mal-humorada.

– Como vamos fazer o dragão distrair a todos?

– Posso tentar um feitiço. – Disse Týr. – Mas magia, ainda mais a das fadas, tem um custo alto. E eu preciso confiar em você. Você precisará cuidar do meu corpo.

– Certo, o que você vai fazer?

– Vou dominar a mente do dragão, mas não por mais de um minuto. Esse é o tempo que você tem para roubar o Fruto e voltar pra cá. – Týr disse dentro do meu capuz.

– E como vou pra lá e voltar sem me molhar? – Desafiei a sabichona.

Prygatʹ – Ela soou russo, mas eu não tinha certeza, pois era uma língua desconhecida a mim.

Senti que algo surgiu em meu bolso. Coloquei a mão para descobrir que era uma pequena bolinha, meio dura, mas se eu a apertasse um pouco mais, sabia que poderia quebrá-la facilmente.

– O que é isso?

– É um feitiço. Você tem que quebrar essa bolinha no momento em que pular sobre o rio. Você será capaz de atravessar o rio num pulo.

– Mas só tem uma. Preciso ir e voltar.

– Confie em mim. – Ela disse e desceu pela manga até o bolso.

Eu comecei a ouvir um sussurro no fundo da minha mente. Dizia mais ou menos assim: "Kontrolya nad razumom. Drakon." Mais uma vez aquilo soou russo, mas eu não tinha certeza. O dragão, que tinha pousado num campo de grama alta a alguns metros da minha posição há poucos minutos, levantou a cabeça de supetão. Ele notou o estratagema assim que começamos, mas já era tarde demais: Týr já estava na mente dele.

O dragão chacoalhou a cabeça para os lados algumas vezes, tentando expulsar Týr de seu cérebro. Ele parou por alguns segundos, então levantou brutalmente, ainda lutava pelo controle de seu corpo, abriu suas poderosas asas negras e deu um voo rasteiro em direção a fila e a mim. Entendi o que ela queria fazer.

Fadinha desgraçada, foi o que pensei quando a imensa pata me atingiu me jogando ao outro lado do rio.

Cai brutalmente no chão, mas a dor foi mínima. Acho que o fato de não possuir um corpo ajuda muito no quesito "machucar-se".

Levantei e corri para a árvore. Estava a alguns centímetros de tocar o Fruto Proibido, quando uma mão feminina segurou a minha com força e delicadeza. Olhei sua dona, que era muito linda. Tinha imensos cabelos negros que cobriam completamente as suas costas, ela estava nua, mas por algum motivo tudo que eu conseguia olhar eram aqueles imensos olhos pretos. Contudo, apesar da aparência jovem, ela tinha uma aura extremamente velha. Mais velha do que qualquer um.

Ela abaixou minha mão para longe do Fruto.

– Garoto, não faça isso. Você não deve cometer o mesmo erro que eu. – Ela disse.

– Você é Eva, não é?

– Sim. Porque quer comer do Fruto?

– Perdoe minha grosseria, mas isso não é da sua conta.

– Você estará cometendo o maior erro da Criação. O Pecado Original. Não pode comer deste fruto, ou ficará preso aqui para sempre.

– Mas você comeu. E saiu.

– Porque fui criada aqui e daqui fui expulsa para a Terra. Você já esteve na Terra, já viveu sua vida, por isso não terá uma segunda chance lá. Mas também não poderá seguir em frente para a Cidade de Prata nem irá para o Inferno. Então, aqui é o único lugar que poderá ficar.

– Ficar no Éden não parece tão ruim.

– No começo não é. Até que suas memórias começarem a te atormentar. Seu passado te perseguir. Saber que não será capaz de seguir em frente nem voltar nem ver quem você ama.

Aquilo me fez hesitar por um segundo. Se eu pegasse o Fruto ficaria preso ali para sempre, mas se não pegasse esqueceria Elena. Não sei qual dos dois seria pior. No entanto, eu tinha feito uma promessa e a cumpriria. Esquecê-la não era uma opção.

– Desculpe.

Agarrei o Fruto e o arranquei da árvore.

Um círculo de energia saiu do galho e, como o vento, fez a grama, as árvores e os cabelos de muita gente e anjos balançarem. Não havia como não notar.

Eva olhou-me com uma cara triste e sumiu aos poucos. Um velho fantasma cujo conselho não havia sido escutado.

Olhei em volta, ninguém estava me encarando. Era como se aquela energia nunca tivesse saído. A Týr-Dragão lutava desesperadamente com diversos anjos com espadas em chamas. Coloquei o Fruto no mesmo bolso em que o pequenino corpo dela estava. Quando tirei minha mão ela estava suja de sangue. Aparentemente os ataques no corpo do dragão estavam machucando o pequenino corpo dela. Senti um aperto no peito. Corri para o rio e saltei ao mesmo tempo em que quebrei a bolinha do feitiço feito por ela. Pular sobre o rio era como se estivesse pulando por uma cadeira.

Cheguei ao outro lado, mas cai. Levantei rapidamente e voltei a minha posição na fila. O Dragão parou de lutar e foi capturado pelos anjos da guarda.

Senti Týr se mexer no meu bolso.

– Você está bem? – Sussurrei.

– Vou ficar. Você pegou o Fruto. Ótimo. Vou cortar um pedaço. Fique com ele na boca, então quando pegar o Fruto Dourado mastigue os dois ao mesmo tempo. Assim o efeito do esquecimento será neutralizado.

– Certo.

Esperamos chegar a minha vez.   

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