Capítulo 20: Pragas

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O professor Benedict Collor desenhou diversos hieróglifos egípcios na lousa com um giz branco até formarem um quadrado de pontas arredondadas. Elena não sabia dizer o significado daqueles símbolos, eram completamente estranhos e sem sentido para ela. O velho professor colocou o anel no dedo e fez um gesto com se socasse a lousa, para que o anel da Ordem ficasse no centro do quadrado. Ela pescou sua atenção quando disse:

– Você pertence à Ordem da Rosa Cruz. – Ela afirmou em inglês.

– Sim, mas estou aposentado. – Ele olhou para ela. – Como você sabe sobre a Ordem?

– Meu pai foi um membro. Meu sobrenome é Treagus.

– Seu pai foi lorde Guilherme Treagus. Interessante. Sinto muito pela sua perda.

– Não se preocupe. Isso faz algum tempo e ele não foi o melhor pai do mundo. Agora, me fale o que você está tentando fazer.

– Meus filhos sofreram a mesma coisa, não me surpreende que hoje eles não falem mais comigo. Sabe, dividir sua vida com o trabalho, família e a Ordem é difícil. Poucos de nós conseguiram. – Ele contou. – Mas enfim, vamos ao que interessa. Você está ciente que magia é real, certo?

– Sim. A Arte. Era assim que meu pai a chamava. Eu mesma sei alguns feitiços simples.

– Porém, minha jovem, a Arte é apenas uma das muitas faces da Magia. A Arte foi ensinada aos humanos pelos demônios "cristãos", se é que posso chamá-los assim sem ser queimado vivo. – Ele deu uma risadinha. – O ponto é que existem muito mais estilos de magias que você ou eu possamos contar. Por exemplo: o rúnico, o híndi, o japonês, o chinês, o cristão, e por aí vai. E é claro... – Ele colocou o anel na lousa. – O egípcio.

Os hieróglifos na lousa brilharam num tom meio azulado, do centro, onde estava o anel, uma estranha energia negra surgiu e dominou todo o quadrado. Collor desencostou a mão da lousa e esperou. O quadro negro que se formou na lousa lembrava Elena a tela de uma televisão.

Nenhum dos dois se mexeu ou disse algo por alguns minutos até que uma silhueta de um homem feita de estáticas brancas surgiu. Elena não soube dizer quem era aquele homem.

– Lorde Pendragon. – Collor cumprimentou o homem na tela.

– Lorde Collor, já faz alguns anos, não? – O sotaque de Pendragon era obviamente britânico. – Como posso lhe ser útil?

– Preciso cobrar-lhe aquele favor. Preciso ser restaurado como líder da Ordem aqui no Egito. Tenho algo que preciso fazer. – Collor respondeu.

– Isso é um pouco complicado. Mas vou dar um jeito. Vá para a sede regional da Ordem. Quando chegar lá, tudo estará resolvido.

– Obrigado.

As estáticas sumiram, e logo em seguida a energia negra se foi, deixando em seu lugar apenas os hieróglifos escritos.

– Quem era aquele homem?

– Aquele era o líder supremo da Ordem da Rosa Cruz.

Elena arregalou os olhos de surpresa.

– Ele é o que comanda tudo e todos. Ele deve ser o homem mais poderoso do mundo. De qualquer forma, ele me deve um favor, salvei a vida dele há alguns anos. E vou precisar da Ordem para conseguir o que quero.

– Que seria?

– Libertar Anúbis, é claro.

– Vamos com calma. O que você quer dizer com isso?

– Vou te contar no caminho. Vamos.

– Bem, como você sabe – ele contou enquanto iam num táxi para sede da Ordem –, a Arte foi ensinada aos homens pelos demônios 'cristãos'. Já a magia egípcia, que é a que eu domino, assim como meus colegas da Ordem aqui no Egito, nos foi ensinada originalmente pelos deuses. Na mitologia egípcia existem dois lados: a ordem e o caos. Ambos os lados ensinaram magia aos humanos para terem soldados para combater junto com eles. Mas os homens se voltaram contra seus mestres, e juntos, expulsaram os deuses para o Duat e uma maldição foi lançada: os deuses só podiam voltar para o mundo físico se possuírem algum hospedeiro de sangue da realeza. Então houve "paz" – ele fez as aspas com os dedos – entre os humanos e os deuses, mas ainda assim a guerra entre o caos e a ordem continuou. Com a ajuda dos deuses nós impedíamos que o caos destruísse o mundo. Foi então que 'ele' apareceu. – quando disse 'ele', Collor falou com uma fúria e ódio tremendos. Algo que Elena nunca tinha visto em um único pronome.

– Quem apareceu? – Elena estava curiosa e um pouco empolgada com a história.

– Moisés. O faraó era uma divindade naquela época: ele estava encarnado com o deus Osíris. E quando a última praga foi lançada, não foi apenas o primogênito do faraó que morreu, junto com ele morreu o deus Hórus. E então todos os outros deuses, da ordem ou do caos foram lançados e selados dentro do Duat de uma vez por todas. Sem escapatória. Desde então nunca mais fomos capazes de invocar os deuses, mas aparentemente Anúbis, usando você e a estátua, está se libertando.

– Por que você libertaria Anúbis? – Elena perguntou.

– Os deuses nos tornavam fortes. Nossa magia era a mais poderosa do mundo! Mas depois que Moisés apareceu, nossa magia tornou-se do mesmo nível das demais. Com o poder de Anúbis vou libertar todos os deuses, e a era de ouro irá voltar.

Elena ficou paralisada. Ela acabara de dar a chance para um louco dominar o mundo, claro se tudo aquilo fosse verdade. Contudo, levando em consideração todos os acontecimentos dos últimos dias, não duvidava que o professor falava a verdade.

O táxi parou em um farol vermelho. Aquela era a chance dela, poderia correr para longe dele. Abriu a porta e correu o máximo que pôde.

Ofegante, ela parou de frente a um supermercado. Obviamente estava perdida, não conhecia nada daquele lugar, mas pelo menos tinha dinheiro e podia pegar um táxi de volta ao hotel. Olhou em volta, não havia nenhum sinal do professor. Ele era velho, não conseguiria correr atrás dela. Sentou no chão para descansar, não estava acostumada a correr daquele jeito.

– Aposto que você achou que eu não tinha pensado na possibilidade de você correr. E também que eu não iria atrás de você por ser velho, engano seu, minha jovem. – A voz de Collor não vinha de um lugar especifico ou de alguém. A voz estava em todos os lugares. O medo atingiu o coração dela. Então ela ouviu um estalo de dedo, que ecoou dentro de sua mente.

Em seguida, ela estava de volta ao táxi. Ela nunca havia saído dele, nunca havia corrido.

O professor segurou com força o braço dela, na palma da mão da garota havia um hieróglifo. Quando ele o tinha colocado ali? ela se perguntou.

– Estou ludibriando sua mente desde que saímos da universidade. Você pode tentar correr quantas vezes quiser, sempre voltará para cá, como um ciclo. Apenas eu posso quebrá-lo por definitivo.

Ela correu. E de novo, e de novo, e de novo, e de novo. Mas sempre voltava ao maldito táxi. Até que finalmente eles chegaram ao destino.

O imponente prédio estendia-se por diversos metros sobre suas cabeças. A arquitetura antiga fascinaria Elena se a situação fosse outra.

– Vamos andando, minha criança. – Collor ordenou.

Elesentraram no prédio pela porta da frente.

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