Eu já havia perdido as contas de quanto tempo estávamos navegando. Horas? Dias? Meses? Eu não sabia, sabia apenas que queria chegar ao nosso destino o mais rápido possível, pois eu não tinha mais nada no estômago para vomitar. Eu estava sentado à beirada do barco com a cabeça para fora olhando a água azul-esverdeada do mar; minha mente viajava pelo passado e presente, imaginava o futuro. O peito doía de saudade. Quanto tempo havia se passado na Terra? Um dia? Um mês? Um ano? Ou anos? Será que ela tinha arrumado alguém? Talvez por isso que as almas não tinham permissão para lembrar-se de sua vida antiga, era doloroso demais.
Vomitei novamente, interrompendo meus pensamentos.
Levantei a cabeça e olhei em volta. Thais estava sentada mais ou menos como eu, mas não parecia enjoada, ela olhava sem ver a o mar, imersa em seus pensamentos. O rapaz, cujo nome agora me escapava, estava pilotando o navio concentrado em seus instrumentos de navegação. Týr, a fada, estava dentro de meu bolso e parecia dormir.
Minha mente viajou de volta ao passado, uma lembrança que ele há muito tempo havia esquecido. A primeira e única vez que estive em um barco há tantos anos. Eu revivia a memória na terceira pessoa vendo outra versão de mim, mas em miniatura, indo para lá e para cá.
Naquela época meu avô ainda estava vivo, eu devia ter uns quatro ou cinco anos. Meu pequeno eu acenava freneticamente para a praia, onde minha mãe, com um barrigão de sete meses e minha avó, sua sogra, estavam. No comando do barco estava meu avô, um homem calvo com poucos cabelos brancos, pele enrugada, mas com um sorriso enorme e jovial no rosto e um chapéu de capitão na cabeça. Meu pai conversava com minha irmã mais velha, que estava emburrada por ser obrigada a viajar conosco, eu estava empolgado demais olhando as ondas e a costa que deixávamos para trás.
Estávamos navegando há algum tempo, contornávamos uma ilha. Nosso objetivo era uma praia localizada ao lado norte da ilha, que só era possível o acesso pelo mar.
– Leo, olha! Um golfinho! – Disse uma menina que estava do outro lado do barco. Eu não tinha notado ela ali até aquele momento. O mini-eu correu até a menininha.
– Onde? – Eu disse.
– Ali, oh! Perto daquelas pedras! – Ela apontou.
– Onde? Não estou vendo!
Então um golfinho pulou e mergulhou novamente. O pequeno eu e a menininha trocaram olhares brilhantes. Foi quando consegui ver o rosto dela. Era fino, mas arredondado, o rosto de uma criança. Seus olhos eram de um castanho tão claro que chegavam a ser dourados, assim como o cabelo cortado na altura do ombro.
Marcella, o nome veio a minha mente ao mesmo tempo em que meu pai a chamava. Quem era Marcella?
– Leo! – Meu pai chamou em seguida. – Entrem na cabina.
– Os ventos mudaram de direção inesperadamente e o tempo fechou. – Meu avô estava dizendo quando entrei. – Acredito que uma tempestade...
Ele não pôde terminar a frase, uma onda atingiu a lateral direita do barco, que balançou bruscamente derrubando a todos. Então a chuva caiu brusca, grossa e repentina. O barco balançava em todas as direções sem controle.
Ainda sentados, meu pai agarrou a mim e minha irmã mais velha, que estávamos próximo a ele. Meu avô abraçou Marcella.
– Precisamos chegar à costa. – Meu avô gritou em meio à tempestade. – Se não, vamos ficar muito longe da praia a deriva.
O barco deu um solavanco, como se batesse em algo, e ouvi o barulho de madeira quebrando. Os adultos trocaram olhares e assentiram uma vez com a cabeça. Levantaram-nos.
Comigo e minha irmã nos braços, meu pai saiu na chuva. Nós enterramos os rostos em seus ombros. Não sei como aconteceu, só sei que quando abri os olhos novamente eu estava na praia. A chuva havia cessado e meu pai, minha irmã, meu avô e eu estávamos deitados na areia. Fui o primeiro a acordar. Gritei por Marcella diversas vezes, pois ela estava fora de vista; minha cabeça doía horrivelmente. Onde ela estava? Marcella, Marcella...
– Marcella! – Gritei de volta ao presente. Eu estava deitado no chão do barco. Como eu havia parado ali? Thais e o rapaz estavam um de cada lado, Týr voava a alguns centímetros do meu rosto. Todos pareciam preocupados.
– O que aconteceu? Quem é Marcella? – Týr perguntou.
– Eu não sei... – Minha voz era um sussurro. – Eu não sei...
– Vai ter que descobrir mais tarde. – George disse (o nome finalmente havia voltado). – Nós chegamos.
A costa da Itália foi ficando maior no horizonte.
O que havia acontecido naquele barco anos antes? Como chegamos à praia? Para onde Marcella tinha ido?
Ou melhor, quem era Marcella?
Masprincipalmente, por que eu havia me esquecido dela e apenas me lembrado agora.
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Afterlife
FantasyPágina oficial: https://www.facebook.com/afterlifesagaoficial/ Curta para não perder as novidades! *** Morte não é fim. De fato, para mim, a morte foi apenas o começo. As circunstâncias nada convencionais do dia em que morri me permitiram chegar a C...