Capítulo 2: Acordo

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Se algum dia você já teve o sangue da pessoa que você ama nas mãos enquanto ela está morrendo talvez você saiba o que eu senti naquela hora. Mas se não, torça para que nunca aconteça, porque não há sensação pior do que essa. Ver aquele líquido vermelho e gosmento saindo e, levando junto a ele, a cor e a vida de quem você ama sem que você possa fazer nada é como... Como... Não há como descrever o que senti... A impotência. O medo. A tristeza.

Com ela no meu colo, eu chorei. Nunca chorei tanto quanto chorei naquele dia.

– Elena – chamei -, não morra! Não hoje. Por favor. Fique aqui. Por favor. – As lágrimas caíram do meu rosto na roupa dela.

Ela me olhou com ternura, com amor. Parecia que era eu que estava morrendo, não ela. O que em parte era verdade; com ela metade de mim morria.

– Shh... Eu não vou a lugar nenhum... Vou ficar... – A voz dela foi ficando fraca. – Pra sempre... Com... Você.

Eu a abracei com força e senti seu corpo ficando mais pesado. Não conseguia parar de murmurar "não, não, não..." repetidamente. Podia se sentir a dor, a tristeza e a agonia em minha voz. Não me movi, nem sei quanto tempo passou, sei apenas que, por diversas vezes, Junior tentou me separar dela, em vão. Eu nunca mais a soltaria. Nunca.

Foi quando eu senti aquele frio. Senti os cabelos de minha nuca se eriçarem. Não deveria estar frio, estávamos no meio do verão. Não me importei de olhar. Nada mais importava naquela hora. Todos meus sonhos... Nossos sonhos morreram com ela...

– O que você faria para salvá-la, Leonard Ross? – Disse alguém atrás de mim; por alguma razão, imaginei as palavras que ele dizia cravadas no granito de uma lápide.

– Não tem como ela voltar. Está morta.

– Existe um jeito, basta dever um favor a Morte.

Do que aquele cara estava falando? Dever favores a Morte? Só poderia ser um louco. Eu resolvi olhar. Foi quando percebi o que estava acontecendo. Tudo a minha volta estava congelado no tempo, meus amigos, até os médicos em plena corrida em minha direção. As únicas coisas ainda se movendo eram o estranho e eu.

Ele usava um terno preto de aparência cara com riscas brancas na vertical, camisa e gravata pretas. Notei que ele não usava sapatos. Ele tinha a pele cinzenta e enrugada, como se estivesse morto há alguns dias; seus traços eram velhos. Ele não possuía globos oculares, seus olhos eram dois buracos vazios que caiam em um abismo negro sem fim.

– Quem é você?

– Eu sou a Morte.

Ele estava muito louco, mas aqueles olhos... Minha imaginação, talvez? Perguntei:

– O que você quer?

– Quero ajudar você, rapaz.

– Por que a Morte quer ajudar a mim, uma pessoa comum?

– Às vezes sou misericordioso com vocês, mortais. Poupo uma vida aqui e ali por capricho.

Eu senti que tinha algo a mais:

– Mas...?

– Não dessa vez. Vou trazê-la de volta, mas você terá que dar sua vida pela dela. E ainda assim, você deverá me obedecer no outro lado.

– Sim. Aceito o acordo. Se pode trazê-la, traga-a de volta.

A Morte estalou os dedos da mão direita. Elena respirou fundo e abriu os olhos muito rápido, como se saísse de um pesado em um sono profundo. Ela olhou em minha direção, confusa e aturdida. Ela sorriu por um instante, mas logo o medo voltou aos seus olhos.

– Leo... O que... Eu estava em um julgamento, eu... O que está acontecendo?

– Não se preocupe – a Morte disse para mim –, quando o tempo voltar ao normal todos vão achar que você levou o tiro. Ela não se lembrará de agora. Aproveite, meu garoto, são seus últimos momentos com ela.

– Elena, isso não importa. – Eu disse meio desesperado – Me escuta.

Ela olhou para mim.

– Eu te amo muito. Não sei o que vai acontecer agora, mas eu te prometo uma coisa: se houver uma forma de voltar pra você eu voltarei.

– Do que você...

Eu a interrompi com um beijo. O beijo mais apaixonado que eu jamais dei nela. Porém o último.

– Eu também te amo. – Ela me disse ainda meio desconexa.

– Muito bem. Despedidas feitas. – A Morte tinha um sorriso macabro em seus finos lábios cadavéricos. – Irei mandar alguém para te guiar, Leonard Ross. Se prepare.

A Morte estalou os dedos mais uma vez.

A dor que surgiu no meu peito era algo que nunca tinha sentido. Então essa era a sensação de levar um tiro, pensei. Eu estava no colo de Elena, como ela estava no meu há poucos minutos. Ela estava desesperada, como eu estava, sua mão estava sobre meu ferimento tentando parar o sangramento, o que eu não fiz... Isso prova o quanto ela era mais esperta que eu. Eu olhei para ela e sorri. Não me arrependia do que tinha feito. Eu estava morrendo por ela. Para mim, não havia morte mais digna. Morrer pela pessoa que você ama... Pode ser horrível se você parar para pensar, mas, para mim, não havia honra maior.

Eufechei os olhos, a última coisa que senti foi um beijo de leve nos meus lábiosgelados. Na escuridão, minha alma andou até meu Julgamento.   

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