Capítulo 14: Espada

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Uma das estranhas luzes laranja veio em minha direção. Ela devia estar a uma velocidade maior que a do som. Outras passavam sobre nossas cabeças e caiam em todos os lugares de Tel-Aviv.

A luz estava do outro lado do lago. Levantei rápido uma das mãos e posicionei-a em frente ao rosto, como que para protegê-lo. Num piscar de olhos, Týr estava na minha frente. Ela disse algumas palavras em sua língua, fazendo com que a luz batesse em uma espécie de parede invisível, ricocheteasse e mergulhasse no lago.

– Fuja! – Týr gritou para mim.

Eu, então, corri.

Contudo, para onde poderia correr? Lembrei da moto no centro daquele restaurante ao qual fomos algumas horas atrás. Formei um plano em minha mente. O maior problema é que estávamos a quarenta minutos de caminhada do restaurante. Será que eu conseguiria correr até lá? Mesmo que sim, eu precisava fazer uma parada antes. Týr voava ao meu lado. Suas asinhas de libélula batendo freneticamente.

Entrei na rua das lojas de roupas sob medida. A loja onde eu havia ido mais cedo estava, milagrosamente, aberta. Entrei e tranquei a porta de acrílico. Foi então que finalmente vi o que me perseguia.

Era uma espécie de macaco com braços mais compridos que as pernas. Ele andava de quatro. Sua comprida calda ajudava no equilíbrio. O focinho da criatura era maior que de macacos convencionais e do qual nasciam dois chifres, o primeiro menor que o segundo, como os de um rinoceronte, mas era proporcional a cabeça dele. Os dentes dele eram muito finos, como agulhas e eram muitos mesmo, incontáveis. Ele era feito com diversos tons de laranja, com exceção dos olhos, que eram pretos em sua totalidade – sem íris ou pupila. Um abismo sem fim, como os olhos da Morte.

– Que mer...? – Eu disse, mas Týr interrompeu.

– Encontre algo afiado, como uma faca ou... – Nós começamos a procurar desesperadamente

– Uma espada? – Disse uma voz conhecida vinda das sombras; era a moça simpática que me atendera antes, mas ela não estava nada simpática com aquele sorriso. Estava mais para uma serial-killer psicopata.

Além disso, ela tinha uma espada nas mãos. Era uma espada média de lâmina curvilínea, daqueles que eram usadas com escudos pelos antigos romanos. Por que diabos uma costureira teria uma espada? foi a primeira coisa que veio a minha mente.

Endireitei-me e olhei para ela. Tomei um susto quando vi os olhos dela: a parte onde deveria ser branca era completamente negra, a íris – sem pupila – era laranja.

Týr se posicionou na minha frente, encarando a moça.

– Leonard; você sabe desarmar alguém? – Nunca tinha ouvido ela falar tão sério.

– Não.

– Sabe lutar?

– Não.

– Ótimo. – Ela disse sarcasticamente. – Você pode distraí-la por alguns minutos sem morrer?

– Talvez.

Eu avancei, mas ainda consegui ouvir um "inútil" da boca de Týr. Com um singelo movimento de braço, quase imperceptível, a vendedora me jogou contra uma estante com vários panos, que amorteceram o impacto, apesar de ainda ter sentido a dor da pancada – mesmo que ela não fosse tão forte quanto seria se o mesmo tivesse acontecido na Terra. Caí sentado no chão.

Olhei para minha direita e vi meu casaco. Exatamente do jeito que eu descrevera para ela. Um sobretudo cinza bem escuro. Ele era grande, mas não passaria do meu joelho.

– Sabe – ela disse naquela voz simpática de vendedora, o que me deixou ainda mais assustado -, as almas não são destruídas facilmente. Uma simples lâmina como essa... – Ela olhava e brincava com a lâmina enquanto vinha em minha direção. – ...não é capaz disso. Mas você é diferente. Você se lembra. Será que pode ser destruído com ela? – Ela parecia ter se esquecido de Týr, ou será que não podia vê-la?

Peguei alguns panos do chão e joguei contra o inimigo. Ela foi pega de surpresa. Aproveitei o momento de distração e corri para meu casaco. Vesti-o rapidamente. Esperava fazer algo tão incrível quanto eu me sentia vestindo aquilo. Olhei para o lado e vi uma barra cilíndrica de ferro, que antes, provavelmente, servia para enrolar os panos que eram "vendidos" por metro. Peguei-a.

Consegui me defender e esquivar de alguns golpes dela por sorte, mas ela me cortou algumas vezes. Eram cortes supérfluos, mas que doíam muito. Eles não sangravam, mas eu sentia como se sangrassem.

– Então você se machuca. – Ela disse. – Isso significa que você pode morrer.

Ela deferiu golpes mais fortes, que acabaram por cortar o bastão ao meio. Defender-me dos golpes ficou mais difícil.

Alguns segundos depois, do nada, ela arregalou os olhos de surpresa. Seus olhos voltaram ao tom castanho original. Começando pelo peito, em espiral, ela se desfez em um pó flutuante prateado e brilhante, me lembraram de vagalumes voando, até não sobrar nada. No lugar dela, Týr flutuava com o braço esticado em minha direção. Ela ofegava de exaustão.

"Crack", nós ouvimos. O acrílico da porta estava cedendo às cabeçadas do bicho bizarro do lado de fora.

– Rápido! Pegue a espada! – Týr disse.

Týr cortou sua mãozinha esquerda na lâmina, e com seu próprio sangue desenhou diversos símbolos no metal. Ela então começou a entoar um canto lírico em sua língua. Um chiado soou. Quando ela terminou o cântico, os símbolos pareciam ter sido incrustados na espada. Eles pertenciam a espada. Era como estivessem ali o tempo todo.

Enquanto ela cantava, aproveitei para trocar de roupa. Vesti uma calça jeans escura, uma regata preta e o casaco por cima. Nos pés, uma bota com bico e sola de aço. Nas costas do casaco havia um símbolo em branco; aquele símbolo estava tatuado nas costas do meu pai – sob seu ombro direito –, meu avô e bisavô também tiveram. Era como uma herança de família. Eu não o tinha tatuado, mas o símbolo também estava nas minhas costas. O símbolo era um coração com vários desenhos tribais nele.

Por toda minha vida, sonhei em viver uma aventura como as que eu lia nos livros ou via nos filmes. Claro que nunca imaginei que aconteceria de verdade, mas ali estava eu às portas da maior aventura da minha vida – ou morte – e eu estava vestido do jeito que imaginei que estaria.

Apenas uma palavra veio à minha mente: épico. Sorri.

Peguei o Fruto Proibido do bolso da calça, coloquei-o em um saquinho de pano que improvisei usando um barbante que encontrei na loja. Guardei-o em bolso interno do meu casaco.

– Eu coloquei três feitiços na espada: – Týr disse enquanto eu segurava o objeto. – Um que irá matar eles – ela apontou para o macaco estranho -, outro que deixa a espada indestrutível e o terceiro: ela luta praticamente sozinha. Você só precisa empunhá-la.

Contei até três e abri a porta. A criatura atacou. Um movimento preciso de corpo e espada – que obviamente não era meu –, decepei o "macaco", que se desfez nos mesmos vagalumes que a vendedora em pleno ar, deixando um cheiro de enxofre para trás.

– Uou! – Exclamei. – Isso é demais!

Saí da loja. Notei que centenas de olhos alaranjados me encaravam.

–Merda.

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