Prólogo

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 Eu dou mais um passo para trás e acabo tropeçando em algo jogado no chão. Quando caio, finalmente me torno desesperada e percebo que não posso o fazer voltar a ter controle de si. Afasto-me, mas a parede me impede de ir mais longe. Os meus olhos começam a arder de forma extremamente dolorosa, mas essa dor não se compara ao aperto no meu peito.

Minha respiração está acelerada, a boca seca e os olhos arregalados. Eu sei que as minhas expressões de medo podem só piorar, mas também estou perdendo o controle sobre mim. Achei que tivesse parado de sentir medo dele e isto é verdade, mas o que se tornou não é quem eu conhecia, não se assemelha a nada que eu tenha visto.

Os seus olhos estão como nas várias outras vezes que vi, e eu estava passando a me acostumar com eles, mas é como se a escuridão estivesse começando a tomar conta do azul das suas íris também, de forma lenta, como mãos se apossando de algo perdido. O temido aconteceu, ele perdeu o pouco do controle que lhe restava.

Quando se ajoelha ao meu lado e aproxima o seu rosto do meu, a minha respiração ofegante faz com que um sorriso diabólico surja nos seus lábios. Eu me lembro das vezes que admirei seus traços e disse para mim mesma que ele era a coisa mais linda do mundo. No momento, a sua beleza é assustadora.

Seus dedos estão mais gelados do que nunca, tocando a minha bochecha com firmeza. Não é como nas outras, quando acariciou o meu rosto e repetiu para mim que me amava.

— Você não é assim. — consigo sussurrar.

Ele move os seus dedos e eu fecho os olhos, me arrepiando. Tenho medo do carinho se tornar algo completamente diferente, na verdade, sei que é uma questão de tempo até isso acontecer.

— Eu sou pior do que isso, amor. Você não entendeu que eu sou uma fera? — sua voz soa tão fria e medonha que eu quase acredito. Quase.

Cubro a sua mão com a minha e encaro a imensidão preta. Antes eu ainda conseguia ver a cor azul das suas íris, mas agora tudo o que há é um preto sem fim, tomando conta do resto de cor que há nos seus olhos, quase invisível.

— E você sabe quem eu quero ser. Me deixe ser a sua Bela. — a fera segura a minha mandíbula com força e aproxima os nossos rostos.

— Não vivemos num conto de fadas, Elie.

Então a escuridão toma conta dele por inteiro, e eu posso ver isso pelos seus olhos. Desta vez, o seu olhar não está perdido e não há sinal nenhum de que ele está lutando contra si mesmo.

Então faço o que ele quer e não tento ficar longe. Eu aproximo os nossos lábios, sem deixar de encará-lo até o último segundo antes de tocar na sua boca, mas sou empurrada brutalmente.

Outra vez, as minhas costas encontram uma parede, mas dessa vez com uma força enorme. Tento engolir o choro e ser forte por ele, por nós, mas não consigo e choro olhando no fundo dos seus olhos, procurando a pessoa pela qual me apaixonei.

Ele me solta e eu soluço quando caio no chão. A fera se afasta, com as mãos nos cabelos. Minhas costas doem e quero gritar para que pare, mas o som dos seus passos me impede. Ele para em frente à janela e me olha de longe. O seu corpo está mais pálido do que nunca, e sua respiração pesada.

Eu recebo outro sorriso amedrontador antes dele pular pela janela. Ouço-o cair de pé no chão do jardim. Tento me levantar, mas só consigo me arrastar até a janela, tentando respirar. Consigo vê-lo andando para longe, de forma calma, e sei que ele fará algo horrível com a primeira pessoa que encontrar.

Tento voltar para perto da porta e procurar por alguém que possa impedir, mas acabo desmaiando ao lado da cama. Eu não consigo parar de me preocupar com ele, mas, um segundo antes de perder a consciência, penso em outra pessoa, em outra fera. Aquela que está crescendo na minha barriga. Eu penso se ela está bem e se eu vou conseguir falar para o seu pai que nós vamos ter um bebê sem que ele se descontrole outra vez.

Horas depois, acordo ainda caída ao lado da cama. Um grito sufocado escapa pela minha boca quando tento me mexer. Agora é madrugada e a única luz que entra pelo quarto é a que vem dos postes na rua.

Eu vejo um vulto passar pela janela e se aproximar de mim. É ele, com as mãos sujas de sangue e os olhos, finalmente, de volta ao normal. Vem em minha direção e se agacha ao meu lado, segurando o meu queixo. Zonza, o olho nos olhos. Frios e perdidos. Não sei o que ele pensa ou quem ele é agora, mas se desespera imediatamente.

— Elie, o que eu fiz? — consigo ver o brilho das lágrimas nos seus olhos antes de me pegar no colo. Num segundo, estamos no Jac indo para um hospital.


A FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora