— Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?
— Num resumo geral, ele quem me salvou aquele dia, quando os dois drogados apareceram no ponto de ônibus. Dias depois nós nos encontramos no supermercado, quando íamos passar a noite juntas. Depois nós saímos e ele me pediu em namoro hoje.
— Eu me lembro de ter visto ele no enterro, se soubesse que vocês se conheciam, não teria olhado pra ele com tanta raiva. — ela se sente culpada, mas forço um riso.
— Tudo bem.
— E você estava chorando por quê?
— Descobri que ele conhecia a minha mãe e ele viu que tinha algo errado, então eu contei tudo o que aconteceu com ela e o meu pai, acabei chorando.
Amélia fica em silêncio por segundos, antes de assentir e sorrir para mim, querendo me reconfortar.
— Fico feliz por você ter encontrado um cara legal, mas não precisava ter escondido isso de mim, pode me contar tudo. — arqueio uma sobrancelha.
— Você não me contou sobre o que aconteceu contigo.
— Ah... — o sorriso morre — É diferente.
— Por quê?
— Ele me disse que se contasse, ia me arrepender. — eu me sento no braço do sofá e passo as mãos pelo rosto. Estamos as duas em situações parecidas e horríveis.
Eu nunca esperei que isso acontecesse com ela porque ela é uma forte feminista que jurou nunca deixar nenhum homem fazer com ela o que o pai faz com a mãe. Ela também me fez jurar isso, mas agora acabamos aqui e eu não sei como podemos sair isso.
— Ele te fez algum mal?
— É claro que fez. — revira os olhos.
— Ele te machucou fisicamente? — nega com um aceno de cabeça.
— Não.
— Qual o nome dele?
— Nico.
— Você sabe onde ele mora?
— Nós nos vimos só uma vez e...
— Você sabe.
Ela arfa e se senta no sofá, ligando a televisão e colocando em um canal de séries.
— Isso não importa. Só quero fingir que nada disso aconteceu.
— Por quê? Amélia, me diz o que aconteceu, por favor. — sento ao seu lado e espero que me olhe.
— Não quero falar disso agora, e não quero que me pressione.
Que droga aconteceu com você, Amélia?
Suspiro e me levanto, indo até a cozinha. Depois de minutos, ela volta a falar.
— Você está magoada?
— Eu estou com medo. Entendo que não queira me contar, mas se ele te fez mal, eu... — não termino.
— Por que quer saber onde ele mora? — abro a geladeira e levanto a cartela de ovos que peguei. Ela ri.
— É a mesma coisa que fizemos com...
— ... Aquela durona no primário. — sorrimos uma para outra.
~~~*~~~
Nós estamos paradas dentro do meu carro há quase meia hora, sem coragem de sair. No primário, quando conheci Amélia, eu cortei o meu cabelo e todos os dias sofria ataques vindos por uma garota que me lembrava as bonecas Jolie, então nós pegamos ovos, tinta vermelha e, bom...
— Vamos embora?
— Por quê?
— Porque ele não é uma menininha de sete anos e não podemos fazer isso com a casa dele.
— Você também não é uma criança e ele não podia ter feito o que fez com você, seja lá o que tenha sido.
— Então por que estamos aqui até agora?
— Porque eu estava com medo. — abro a porta e saio de dentro do carro com meia dúzia de ovos, atravessando a rua — Você vem? — grito para a minha melhor amiga. Ela sai do carro, relutante e carrancuda com duas pistolas de água na mão, cheias de tinta cor de rosa.
— Vou me arrepender disso.
~~~*~~~
Quando nós olhamos para a casa suja de tinta rosa, porta e carro banhados por ovos, Amélia dispara a rir. Eu a olho feliz e sorrio também, sentindo nostalgia.
— Devíamos fazer isso mais vezes, eu acho. — estou a ponto de respondê-la quando olho para a esquina e vejo um carro vindo em nossa direção.
— Droga, esse não é o carro dele. É aquele! — ela se refere ao carro que sujamos de ovos antes de apontar para aquele que vem em nossa direção.
— O quê? Corre. — deixo as cartelas vazias no chão e corro para a direção do carro. Espero Amélia entrar, enquanto vejo o carro prata vindo até nós de forma lenta, e dou a partida desesperadamente, me arrependendo do que fizemos. Algo me diz que não vai sair nada bom daqui.
O meu carro sai do lugar ao mesmo tempo em que o do homem desconhecido para, ele desce do carro e bate a porta, nos olhando furiosamente. Eu acelero o máximo que consigo e dobro na primeira esquina que encontro. A morena está assustada olhando para trás, mas assim que perde o ex-namorado de visão, desvia sua atenção para mim.
— Como você não sabia que aquele era o carro dele?
— Eu acho que estava mais preocupada em descobrir se ele estava em casa ou não.
Nós ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ela, de repente, volta a gargalhar, exagerada. Eu penso em repreendê-la, mas este provavelmente é um momento único há dias.
Balanço a cabeça e me permito rir com ela.
~~~*~~~
— Ainda não consigo acreditar no que fizemos.
— Nós já fizemos isso outra vez, lembra? — por mais que eu esteja um pouco assustada.
— É, mas ele não é uma criança, e ele também sabe onde eu moro.
— E onde eu moro? Não me lembro de ter nos seguido.
— Eu não entendi porque ele não fez isso.
— Acho que sabia que mereceu.
— É...
— Você tem certeza que não quer me contar o que houve? — ela respira fundo e não demora a me responder, provavelmente já estava pensando se contava ou não.
A resposta de Amélia é um aceno de cabeça. Eu sorrio e assinto, porque sei que quando se sentir preparada, vai me contar o que a deixou assim. Ou talvez eu apenas tenha medo de descobrir o que tanto a assusta.
— Agora tenho que ir para a minha casa, mas vou voltar, não quero ficar sozinha lá. — se levanta do sofá e pega uma chave em cima da estante.
— Quer que eu te leve lá?
— Não, acho que preciso caminhar um pouco.
— Mas está tarde, Amélia.
— Todos do bairro me conhecem, andar à noite aqui não é um problema.
— Tem certeza?
— Tenho, e acho que ele deve estar ocupado limpando a casa e o carro.
— Tudo bem. Me ligue quando estiver saindo de lá.
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A Fera
RomanceEle sempre esteve por perto. Sempre. Ele nunca parou de me observar, cuidando para que eu nunca ficasse em perigo, para que nada de mal acontecesse comigo. Se algo desse errado, simplesmente aparecia, me ajudava e, então, sumia outra vez. Ele me pr...