Capítulo dez

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— Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

— Num resumo geral, ele quem me salvou aquele dia, quando os dois drogados apareceram no ponto de ônibus. Dias depois nós nos encontramos no supermercado, quando íamos passar a noite juntas. Depois nós saímos e ele me pediu em namoro hoje.

— Eu me lembro de ter visto ele no enterro, se soubesse que vocês se conheciam, não teria olhado pra ele com tanta raiva. — ela se sente culpada, mas forço um riso.

— Tudo bem.

— E você estava chorando por quê?

— Descobri que ele conhecia a minha mãe e ele viu que tinha algo errado, então eu contei tudo o que aconteceu com ela e o meu pai, acabei chorando.

Amélia fica em silêncio por segundos, antes de assentir e sorrir para mim, querendo me reconfortar.

— Fico feliz por você ter encontrado um cara legal, mas não precisava ter escondido isso de mim, pode me contar tudo. — arqueio uma sobrancelha.

— Você não me contou sobre o que aconteceu contigo.

— Ah... — o sorriso morre — É diferente.

— Por quê?

— Ele me disse que se contasse, ia me arrepender. — eu me sento no braço do sofá e passo as mãos pelo rosto. Estamos as duas em situações parecidas e horríveis.

Eu nunca esperei que isso acontecesse com ela porque ela é uma forte feminista que jurou nunca deixar nenhum homem fazer com ela o que o pai faz com a mãe. Ela também me fez jurar isso, mas agora acabamos aqui e eu não sei como podemos sair isso.

— Ele te fez algum mal?

— É claro que fez. — revira os olhos.

— Ele te machucou fisicamente? — nega com um aceno de cabeça.

— Não.

— Qual o nome dele?

— Nico.

— Você sabe onde ele mora?

— Nós nos vimos só uma vez e...

— Você sabe.

Ela arfa e se senta no sofá, ligando a televisão e colocando em um canal de séries.

— Isso não importa. Só quero fingir que nada disso aconteceu.

— Por quê? Amélia, me diz o que aconteceu, por favor. — sento ao seu lado e espero que me olhe.

— Não quero falar disso agora, e não quero que me pressione.

Que droga aconteceu com você, Amélia?

Suspiro e me levanto, indo até a cozinha. Depois de minutos, ela volta a falar.

— Você está magoada?

— Eu estou com medo. Entendo que não queira me contar, mas se ele te fez mal, eu... — não termino.

— Por que quer saber onde ele mora? — abro a geladeira e levanto a cartela de ovos que peguei. Ela ri.

— É a mesma coisa que fizemos com...

— ... Aquela durona no primário. — sorrimos uma para outra.

~~~*~~~

Nós estamos paradas dentro do meu carro há quase meia hora, sem coragem de sair. No primário, quando conheci Amélia, eu cortei o meu cabelo e todos os dias sofria ataques vindos por uma garota que me lembrava as bonecas Jolie, então nós pegamos ovos, tinta vermelha e, bom...

— Vamos embora?

— Por quê?

— Porque ele não é uma menininha de sete anos e não podemos fazer isso com a casa dele.

— Você também não é uma criança e ele não podia ter feito o que fez com você, seja lá o que tenha sido.

— Então por que estamos aqui até agora?

— Porque eu estava com medo. — abro a porta e saio de dentro do carro com meia dúzia de ovos, atravessando a rua — Você vem? — grito para a minha melhor amiga. Ela sai do carro, relutante e carrancuda com duas pistolas de água na mão, cheias de tinta cor de rosa.

— Vou me arrepender disso.

~~~*~~~

Quando nós olhamos para a casa suja de tinta rosa, porta e carro banhados por ovos, Amélia dispara a rir. Eu a olho feliz e sorrio também, sentindo nostalgia.

— Devíamos fazer isso mais vezes, eu acho. — estou a ponto de respondê-la quando olho para a esquina e vejo um carro vindo em nossa direção.

— Droga, esse não é o carro dele. É aquele! — ela se refere ao carro que sujamos de ovos antes de apontar para aquele que vem em nossa direção.

— O quê? Corre. — deixo as cartelas vazias no chão e corro para a direção do carro. Espero Amélia entrar, enquanto vejo o carro prata vindo até nós de forma lenta, e dou a partida desesperadamente, me arrependendo do que fizemos. Algo me diz que não vai sair nada bom daqui.

O meu carro sai do lugar ao mesmo tempo em que o do homem desconhecido para, ele desce do carro e bate a porta, nos olhando furiosamente. Eu acelero o máximo que consigo e dobro na primeira esquina que encontro. A morena está assustada olhando para trás, mas assim que perde o ex-namorado de visão, desvia sua atenção para mim.

— Como você não sabia que aquele era o carro dele?

— Eu acho que estava mais preocupada em descobrir se ele estava em casa ou não.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ela, de repente, volta a gargalhar, exagerada. Eu penso em repreendê-la, mas este provavelmente é um momento único há dias.

Balanço a cabeça e me permito rir com ela.

~~~*~~~


— Ainda não consigo acreditar no que fizemos.

— Nós já fizemos isso outra vez, lembra? — por mais que eu esteja um pouco assustada.

— É, mas ele não é uma criança, e ele também sabe onde eu moro.

— E onde eu moro? Não me lembro de ter nos seguido.

— Eu não entendi porque ele não fez isso.

— Acho que sabia que mereceu.

— É...

— Você tem certeza que não quer me contar o que houve? — ela respira fundo e não demora a me responder, provavelmente já estava pensando se contava ou não.

A resposta de Amélia é um aceno de cabeça. Eu sorrio e assinto, porque sei que quando se sentir preparada, vai me contar o que a deixou assim. Ou talvez eu apenas tenha medo de descobrir o que tanto a assusta.

— Agora tenho que ir para a minha casa, mas vou voltar, não quero ficar sozinha lá. — se levanta do sofá e pega uma chave em cima da estante.

— Quer que eu te leve lá?

— Não, acho que preciso caminhar um pouco.

— Mas está tarde, Amélia.

— Todos do bairro me conhecem, andar à noite aqui não é um problema.

— Tem certeza?

— Tenho, e acho que ele deve estar ocupado limpando a casa e o carro.

— Tudo bem. Me ligue quando estiver saindo de lá.

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