Capítulo trinta e oito

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  Quando eu era pequena, meu pai me contava histórias. Uma vez, ele me contou sobre a profecia da Grande Fera. Eu não me lembro bem, mas não consigo esquecer que, de acordo com ele, ela seria uma fera tão anormal que ia conseguir ficar com os olhos completamente pretos, como os de um demônio, sem perder o controle sobre si. Por noites, eu não consegui dormir; tive pesadelos e muito medo.

  O meu pai notou a minha estranheza e tentou me acalmar. Quando soube o que me assustava tanto, ele disse que eu tinha entendido errado. Ele disse que os descendentes de Zarina deviam temê-lo pela força e mente diabólica dele, mas não pela quantidade de escuridão da Grande Fera.

  "É claro que ele é amedrontador, mas o que acontece é que alguns de nós podemos nos alimentar da escuridão dele. Alguns poucos tiveram a sorte ou o azar de nascer extremamente ligados com o poder que a Zarina nos passou. Essas pessoas especiais podem absorver energia da maldição." – o meu pai me disse. Eu perguntei a ele porque ele falava isso de forma tão tristonha, mas não me lembro da resposta.

  É aqui e agora que eu percebo quem Arthur realmente é ou acabou se tornando: a Grande Fera. Sua mão apertando o meu pescoço devia me deixar desesperada, mas é como se eu sugasse a força dela para dentro de mim, como se os seus olhos fossem mais iluminados para os meus, e isso também me faz entender quem ou o que eu realmente sou... Sou especial.

  Envolvo o seu ombro com os meus dedos e o aperto, forçando-o para o chão. Arthur franze o cenho porque não esperava tanta força. Me aproveito da sua distração e ergo a minha perna, empurrando o seu corpo com o joelho.

  Eu piso no seu peito, forçando-o contra o chão e não ligando para a força absurda que coloco. Quero esmagar os seus ossos ao ponto de perfurar o seu coração e fazer ele sentir o que eu estou sentindo, mas não consigo. Ele parece despertar do seu breve momento e aperta o meu tornozelo antes de me puxar para o chão.

  Caio de costas e vejo seu rosto acima do meu, a pele vermelha e veias arroxeadas. Tento erguer o meu braço e socá-lo, mas ele me impede com o antebraço apoiado ao lado do meu corpo.

  O calor continua subindo pelas minhas veias, cada vez mais forte dentro de mim, e começa a doer. Eu preciso colocar para fora, ou ele vai começar a me queimar também. Pego impulso com o meu pescoço e ergo a minha testa em direção à sua com tanta rapidez e força que a cabeçada o deixa desnorteado por um milésimo, tempo este que eu aproveito para girar os nossos corpos e me sentar em cima do seu. Com uma perna de cada lado do seu corpo, eu levo a minha mão ao seu pescoço e o aperto.

  Quando estou com os olhos assim, eu me torno algo tão ruim que as coisas que toco apodrecem. Eu não pensei que isso fosse acontecer com uma fera, mas é mais profundo do que isso. Arthur me olha diretamente nos olhos enquanto eu aperto a sua garganta, os seus braços simplesmente param de lutar comigo e aquele brilho psicótico some da escuridão dos seus olhos. Enquanto isso eu sinto sua vida e suas forças sendo puxadas pelas minhas mãos, como se toda a escuridão do seu corpo estivesse se arrastando para dentro de mim.

  Eu estou matando-o lentamente, tomando para mim toda a vida que há nele, e a parte diabólica vem junto. Ouso dizer que ela parece até me deixar mais leve e forte.

  Do lado das minhas duas pernas, eu sinto o calor que vem das suas mãos caídas. Os seus olhos estão semicerrados, a raiva neles sumiu e ele parece simplesmente esperar que eu sugue a vida do seu corpo com os meus dedos na sua pele.

  Parece esfriar o clima quente ao meu redor. Ouço sua respiração fraca e mais nada. Tudo que há ao meu redor parece girar em câmera lenta, me enjoando.

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