Narrado por Elie
16 de junho
Eu quero dar passos preguiçosos e arrastados, pensar na cama que me espera chegar em casa..., mas não consigo. Agora são por volta de nove horas, o céu está nublado e a rua deserta, algo incomum. Além disso, os meus pés doem por causa do salto que estou usando, que insiste em fazer um barulho irritante. Não aguento mais isso.
Estou a poucos metros do ponto de ônibus quando começa a chover, um chuvisco forte que logo se transformará em uma chuva. Clamo mentalmente para que o ônibus chegue logo e corro para o meu destino. O vento frio me obriga a vestir meu casaco e a calça jeans mal me esquenta.
Interrompo os meus pensamentos sobre o quanto estou faminta quando um carro passa em uma velocidade bastante baixa. O meu sexto sentido entra em alerta pouco antes dele parar. Vejo o ônibus ao longe e me levanto, ergo a minha mão o chamando e, para a minha sorte, passa reto. Eu sabia que um dia os postes queimados dessa rua fariam com que eu passasse despercebida, e não me surpreendo por ser numa hora assim.
Eu me desespero, sabendo que o próximo ônibus só passa daqui vinte minutos, e fico sem chão quando vejo um homem sair do carro e andar em minha direção. Tento controlar a minha respiração e me convencer de que é paranoia minha, que ele também quer esperar o próximo ônibus, mas é óbvio que não é.
O homem de preto logo está no ponto e se senta ao meu lado. Ele cheira a cigarro e não para de fungar. Não paro de repetir orações e palavrões em minha cabeça, só que algo me diz que nesse momento não terei ajuda.
— Está tremendo? — pergunta, sua voz está arrastada e rouca. Não o respondo, continuo olhando para a frente com a respiração presa — Me responda. — rosna e segura o meu braço repentinamente. Espero que o choro venha, mas estou em choque demais para isso. Não consigo me pronunciar e muito menos me mover.
Ele sorri. Seus olhos escuros estão avermelhados e os lábios machucados. A blusa preta e a calça jeans estão sujas e rasgadas, grandes demais para o seu corpo magrelo, além do cabelo castanho bagunçado e sujo. De repente, o sorriso morre e seu olhar se torna mais assustador ainda.
— Tire a roupa. —diz. Levo dois segundos para acordar do choque e tentar me afastar. Nada assim nunca aconteceu comigo e eu nunca pensei que fosse acontecer. Sempre foi como se só acontecesse com os outros.
— Tudo bem, nós tiramos. — uma outra voz diz atrás de mim. Não ouso me virar, mas consigo perceber que ela não treme nem vacila como a do seu parceiro. Ele provavelmente está são e sabe o que está fazendo, isso me faz pensar que ele é mais doente ainda do que o outro. Fecho os olhos com força e tenho uma ideia que provavelmente não me ajudará muito, mas sei que não tenho tempo para pensar em algo melhor.
— Está bem. — me pronuncio pela primeira vez, com a voz falha e os joelhos tremendo. De forma indelicada e desajeitada, o homem solta o meu braço.
Me levanto devagar, aproveitando de todo o tempo possível para pensar em novas ideias. O maior problema é que um deles está são, e ele pode estar atento a cada movimento meu, diferente do seu parceiro, que provavelmente vai desabar a qualquer momento. Eu vejo o homem que estava atrás de mim, este usa um capuz e só consigo ver a sua boca, que tem uma cicatriz no lábio superior. O moletom cinza deixa à mostra apenas suas mãos, e ele segura uma faca grande de forma que eu consiga vê-la bem. Com um movimento só, ele poderia avançar com ela em minha direção.
Tiro o meu casaco e o jogo no chão. Eu estou arrepiada, mas não é só por causa do frio. O cheiro de cigarro me dá ânsia de vômito. Lentamente começo a subir a minha regata, mas paro de fazer isso quando vejo o de capuz começar a tremer. Estou encurralada por um doente e um drogado.
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A Fera
RomanceEle sempre esteve por perto. Sempre. Ele nunca parou de me observar, cuidando para que eu nunca ficasse em perigo, para que nada de mal acontecesse comigo. Se algo desse errado, simplesmente aparecia, me ajudava e, então, sumia outra vez. Ele me pr...