Capítulo vinte

17.9K 1.7K 144
                                    


Narrado por Sloan
    12 de julho


  Mesmo com a distância, eu consigo ouvir o policial falando com Elie. Estou perto o suficiente para ouvi-los, mas longe demais para que suas vozes passem de sussurros para mim.

  Agradeço mentalmente à minha garota de cabelos brancos por não ter falado sobre mim para o policial. Sinto vontade de correr até lá e contar que tudo isso é para o bem dela, ou talvez só implorar para que me desculpe por toda a merda que eu causei na vida dela em tão pouco tempo. Estou a ponto de desencostar do carro e desistir do plano horrível que começamos a colocar em prática hoje, quando sinto uma mão cobrir o meu ombro. Nico.

  Eu fecho os olhos e me preparo para escutar um sermão, mas ele não diz nada.

  — Eu sei. — digo, imaginando o que ele diria: que eu devo me manter longe.

  — Não vou te julgar, eu te entendo, mas você pode ir fazer com que tudo isso acabe mais rápido se ajudar a Rose ao invés de ficar se torturando aqui. — assinto. Nós estamos no fim da rua dela, o carro de Nico estacionado aqui algumas árvores tampam a nossa localização em relação à casa dela, mas temos uma vista até privilegiada da porta e a entrada de lá.

  — Eu sei, é que eu viro as costas e pareço perder o controle aos poucos.

  — Porque você só pensa que tem que ficar longe dela. Tente pensar nos momentos bons que tiveram. Você nunca tinha nem sequer conversado de verdade com ela e agora ela te quer por perto. Vá pra casa e por favor, tente pensar nas coisas boas.

  Eu não o respondo, apenas dou as costas para ele e começo a caminhar em direção à casa que dividimos. Decido olhar para lá uma última vez, e acaba coincidindo com o momento em que Elie aparece na janela do seu quarto e olha ao redor. Nico deve tê-la esquecido aberta quando foi apagar o seu celular. Ouço Nico limpar a garganta e o vejo negar com um aceno de cabeça.

  Entro em casa e bato a porta com força. Assim que olho para o sofá, me lembro de quando ela esteve aqui. Eu olho para o meu celular e isso me traz outras lembranças, penso em ligar para ela e não dizer nada, só ouvir a sua voz e descobrir como ela está diante disso. O que me impede é que Nico propositalmente estragou o seu celular.

  O que aconteceu é que, nessa madrugada, após Elie dormir, a sua mãe chegou em casa e ficou furiosa ao me encontrar na sala com Nico e Amélia. Rose gritou e eu quase a soquei por colocar em risco o sono da sua filha, que tinha passado por um dia absurdo e precisava descansar, mas é claro que isso não a impediu e ela surtou. Para mim, ela é louca, mas entendo o seu lado. Há anos ela descobriu sobre a maldição e que a filha fazia parte — além que foi justamente por isso que o seu marido, pai de Elie, as abandonou.

  A descoberta de Rose aconteceu no mesmo dia em que descobriu que a Elie criança tinha cortado o seu cabelo por causa de bullying na escola. Naquele dia, eu me joguei de frente a uma parede até conseguir quebrar o meu braço e fui atrás da sua mãe dizendo que o meu pai tinha me batido e eu precisava de ajuda — a minha prioridade sempre foi o seu bem, em qualquer situação que fosse eu, escondido, fazia de tudo para que desse certo para ela. O meu plano deu muito, muito errado.

  Eu fui levado ao hospital, lá os médicos tiveram de rasgar a minha blusa para que pudessem analisar os estragos no meu braço e eu fiquei exposto. Rose, de alguma forma, reconheceu a marca no meu ombro e a ligou com a maldição. Ela foi embora e eu fiquei nas mãos do serviço social, mas consegui despistá-los e fui até a casa de Elie outra vez, encontrei a sua mãe mexendo em papeis com diversas fotos e desenhos que mostravam marcas exatamente como a que carrego no meu peito por conta da maldição — uma cicatriz enorme com símbolos que eu nunca perguntei ao meu avô o que significavam.

A FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora