— Você tem uma moto? — pergunto quando ele me entrega um capacete preto.
— Sim. — diz e se senta na moto preta e grande demais para me fazer pensar se não poderei ter dor na coluna por causa da posição.
Ele acena com a cabeça para que eu me sente atrás dele, e me ajuda a fazê-lo depois de conferir que o meu capacete está bem colocado. Quando arranca com a moto e sai em alta velocidade, aperto o seu corpo com força.
Eu grito para ele ir mais devagar, mas finge não me ouvir. Quando chegamos na minha casa, eu me pergunto como diabos ele sabe onde eu moro e isso me traz outra pergunta: ele quem pagou o táxi naquele dia? Guardo-as para mim.
Desço da moto e tiro o capacete com medo do cabelo embaraçado que encontro. Reviro os olhos me lembrando da sua teima e o deixo sozinho no meio-fio.
Quando me vê vestida de branco, ele sorri e balança a cabeça negativamente. Além disso, estou segurando a blusa de frio que deixou comigo no primeiro dia em que o vi.
— Você fica linda de preto, mas acho que a minha cor preferida se tornou branco.
— A Amélia fala que eu fico quase transparente de branco. — ele ri, provavelmente porque é verdade.
— Pode segurar isso para mim? — aponta para a sua blusa de frio e sobe na moto. Assinto antes de pedir para pilotar devagar, dessa vez.
Dessa vez, eu não espero que dê a partida para apertar as laterais do seu corpo, e me surpreendo quando o vejo controlar a moto com menos pressa. No caminho da vinda, eu mantive os olhos fechados o tempo todo, mas agora posso ver o reflexo do seu rosto no retrovisor, e me perco ali até que paremos em um sinaleiro.
— O meu nome é Sloan. — pensei em centenas de nomes para ele, mas com certeza esse não foi um deles, e agora vejo que nada se encaixaria nele tão perfeitamente quanto isso.
— O meu é Elie. Obrigada por me emprestar o seu capacete. — ele dá uma piscadela para o retrovisor e eu me pergunto se ele é mais louco do que bonito.
Quando chegamos no cemitério, ele está mais vazio do que quando saímos daqui. Outra vez, ele tenta pegar a minha mão, mas eu o impeço e dou dois passos para o lado.
— Nós estamos indo no enterro de um senhor que morreu de câncer.
— Como você sabe disso?
— Ele era coveiro daqui, — aponta para o nosso redor com um aceno de cabeça — o conheci anos atrás.
— Eu sinto muito. — digo, mas ele parece indiferente.
— Eu também.
— Foi uma coincidência termos nos encontrado no enterro da Vanessa?
— Não, mas eu realmente a conheci, e foi aqui também.
— Nesse cemitério?
— Sim. Eu estava aqui no dia do enterro da mãe dela. — eu fico sem saber o que dizer, e perco a minha oportunidade quando chegamos perto de um grupo de pessoas ao redor de um caixão.
— Sloan. — sussurro, mas ele parece não me ouvir. Nós logo atraímos a atenção de todos presentes, e alguém diz ao longe que o que estamos fazendo é horrível.
— Ele queria ser cremado. Ele falava que não era justo o que acontecia com as pessoas depois que as enterrava.
É a segunda vez que cochichamos num enterro, mas agora é completamente diferente. O olho, mas sou impedida de falar pela mulher de idade que se aproxima. O seu rosto está vermelho e inchado, os olhos mostram que chorou a noite inteira.
— Por favor, preciso que saiam daqui. — Sloan não a responde porque o seu olhar está fixado no caixão aberto a poucos metros de nós, com certeza os seus pensamentos também.
— Senhora, não estamos querendo desrespeitar o seu luto pela morte do... — aperto os meus olhos quando percebo que não sei o nome do falecido. Ela ri cinicamente.
— Eu sinceramente não ligo para os motivos de vocês terem vindo aqui, só quero que nos deixem em paz, isso é algo desumano.
— Vestirmos roupa branca? — coço a nuca.
— Não, estarem dispostos a tirar a paz de pessoas que só querem se despedir de um ente querido.
Por um lado, eu a entendo, não imagino como deve ser ter pessoas desrespeitando um momento tão doloroso, mas sei que Sloan não veio aqui simplesmente para simbolizar a paz. Há algo no fundo dos seus olhos que mostra dor, talvez tanta dor quanto a senhora ao meu lado está sentindo. Não sei qual lado pode estar sofrendo mais, porque ela pode ter escolhido esse cemitério justamente por ser um dos mais tradicionais e agora estamos a perturbando.
— Você é a Sara, não é? — ele finalmente a olha — Você sabia que ele queria ser cremado, não sabia? Eu sei que ele nunca disse nada porque queria que você se sentisse o melhor possível quando esse dia chegasse. E obviamente sabia que ele trabalhava de branco porque era o único que pensava no que acontecia com as pessoas depois de mortas, ele vinha assim porque desejava paz para elas. Nunca te disse isso porque ele, nesses anos todos trabalhando aqui, descobriu que os enterros e despedidas eram feitos para as pessoas que ficavam, não as que morriam, e queria te confortar mesmo não estando aqui.
Quando Sloan termina de falar, os seus olhos estão lacrimejados. Ele ri fracamente e balança a cabeça antes de andar para perto do caixão e se curvar sobre o corpo do velhinho de longos cabelos brancos.
— Eu não sabia que esse era o Sloan. — ela me olha com os olhos levemente arregalados e cheios de lágrimas — Eu só não queria que houvesse confusão num dia como este.
Sara tenta não chorar, mas eu sinto compaixão pela senhora e a abraço. Perder um amor deve ser a pior sensação do mundo. Pelo menos ela conseguiu ter um amor, muitos morrem sem ter tido um.
Os meus olhos automaticamente caem em Sloan, que está vindo em nossa direção. A senhora se solta de mim e anda até os seus parentes sem olhar para trás.
Eu limpo a lágrima solitária que escorria pela minha bochecha quando ele chega até mim.
— Desculpe por tudo isso. Já podemos ir embora, eu não quero vê-lo sendo enterrado. — assinto e puxo a sua mão para a minha, ela está gelada e tremendo levemente.
Nós andamos até o estacionamento e quando estamos quase chegando na moto, paro e o puxo para um abraço. Ele imediatamente me aperta com força e puxa o meu corpo para si, me deixando na ponta dós pés. Envolvo o seu pescoço nos meus braços e sinto a sua respiração bater no meu colo.
Há arrependimento em mim, não só por ter o impedido de segurar na minha mão quando precisou, mas também por achar que ele era apenas um louco. Ele me quis aqui porque queria alguém ao seu lado e só agora eu sei disso. Cheguei a pensar que ele era indiferente a tudo e não tinha sentimentos, mas vejo que na verdade é forte por conseguir se manter de pé num dia em que perdeu muitas pessoas — ou talvez só seja acostumado a perder pessoas dessa forma.
O céu está escuro, o clima frio e eu arrepio quando o vento bate nos meus braços. Depois de minutos, Sloan me solta. Os seus olhos azuis levemente vermelhos fazem com que nem se pareça com o homem que me fez tão mal no mês passado.
— Obrigado, Elie.
Eu quero dizer que sei como é perder alguém assim, que vou ficar com ele até quando precisar e não me importarei se pode demorar, mas ele interrompe os meus pensamentos quando passa a sua blusa pelos meus ombros.
— Ah... Obrigada. — digo, um pouco confusa, então a tiro e visto-a por cima da minha regata. Sorrio e ele retribui o sorriso. Quando percebo, já estamos perto demais.
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A Fera
RomanceEle sempre esteve por perto. Sempre. Ele nunca parou de me observar, cuidando para que eu nunca ficasse em perigo, para que nada de mal acontecesse comigo. Se algo desse errado, simplesmente aparecia, me ajudava e, então, sumia outra vez. Ele me pr...