Capítulo três

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  Ela não é como as mães normais. Uma vez, numa discussão, eu disse que ela não tinha nascido para ser mãe, mas nem sempre foi assim. O problema é que eu nem me lembro de quando ela se tornou essa pessoa.

  Eu trabalho no escritório de um dentista há um bom tempo, ele me trata como uma filha e eu com certeza não quero deixa-lo quando começar a faculdade, além disso, há outro problema: a distância do escritório até a minha casa. Nunca achei que poderia ficar em perigo por conta disso, como se essas coisas ruins acontecessem só com os outros ao meu redor. Porém, ontem meus pensamentos mudaram completamente, agora tal problema não traz só cansaço, mas também me coloca em risco. De tarde, a minha mãe me liga, como faz em quase todas as quartas-feiras. Sorrio para o paciente que acaba de sair e volto a falar com Rose.

  — Mãe, você não está entendendo. — passo as mãos pelo meu rosto enquanto tento não me estressar.

  — Você não vai comprar esse carro e ponto. Pelo menos não com o meu dinheiro. Você não tem justificativas boas.

  — Você está ouvindo o que está falando? Tem certeza que é a minha mãe?

  — Sim e sim. — seu tom não é dos melhores.

  — Dois loucos quase me estupraram ontem, você sabia? Além disso, eu vou me mudar em fevereiro e preciso de um carro. — a ouço arfar e mexer em alguma coisa.

  — Tudo bem. Tenho que ir, até semana que vem. Você sabe onde o dinheiro fica. — ela fala de forma muito estranha, o seu tom muda completamente e ela parece ter descoberto alguma coisa que a fizesse mudar de ideia, mas eu apenas repeti o que disse antes.

  — O quê?! Espera! — não tenho certeza se ela me ouve antes de encerrar a chamada.

  Coloco o celular com força em cima da minha mesa, mas me arrependo um segundo depois. Suspiro.

  — Tchau, mãe, também te amo. — digo para o meu computador.

  Quando a contei sobre o que aconteceu na noite passada — omitindo a parte em que eu tive um herói que eu nem sei se existe de verdade —, ela se espantou e perguntou como eles me deixaram em paz. Eu disse que consegui fugir e de repente o assunto se voltou para algo que eu devia ter feito para ela. A sua preocupação durou segundos, e então ela desviou de assunto como se não se importasse porque era algo comum. É estranho, porque com certeza a minha mãe não acharia isso algo normal, já a vi bufar várias vezes por causa de casos como esse que apareceram na TV. Ela simplesmente parece ter algo de errado quanto a mim.

  O meu pai sumiu há dez anos, ou nos abandonou, não sei como chamar.

  Nós estávamos num supermercado e ele me disse para esperá-lo na fila do caixa enquanto pegava algo que esqueceu. Eu sabia que tinha algo de errado, ele parecia ter visto um fantasma parado na porta do supermercado, mas era nova demais e não sabia o que fazer.

  Eu fiquei por horas esperando o meu pai aparecer, mas isso não aconteceu, até que o supermercado estava fechando e o dono de uma loja por perto me levou para a sua casa e me ajudou. Eu tive medo, é claro, mas a minha mãe já tinha se tornado estranha e ele foi o único que me ajudou. Desde então, Victor se tornou o meu pai.

  A minha mãe, por algum motivo desconhecido por mim, não gosta de Victor. O que sei é que no começo eles se gostaram muito, e de repente o amor se transformou em ódio, ela não gosta que eu o veja. O meu pai biológico era carinhoso, sorridente e presente na minha vida. Se eu dissesse que o odeio seria mentira, mas tem algo que pesa no meu coração e faz com que doa toda vez que eu me lembre dele, por mais que saiba, lá no fundo, que ele não foi por vontade própria, mas teve que me deixar.

A FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora