Capítulo trinta e três

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  A cena muda. Eu estou sentada na mesa cinco de uma lanchonete, analisando os estragos feitos na minha roupa. Há um hambúrguer na minha frente, tão bonito que me dá água na boca e faz minha barriga roncar.

  Perto de nós, a minha mãe atende a mesa três com um olhar desanimado e estressado. Contei a eles o que aconteceu no caminho até aqui, os dois queriam ir até lá e dar uma lição naqueles adolescentes, mas eu os convenci que uma mão apodrecida já era o suficiente. Eu não gosto de maldições ou magia, já eles acham que isso é uma herança, e não um peso.

  — Coma logo. Você deve estar faminta — o meu irmão insiste, mas a sua cabeça parece estar longe enquanto olha para a parede de vidro ao nosso lado.

  — Vocês estão o dia todo andando para lá e para cá, August. Devem estar com mais fome do que eu.

  — Amaldiçoar alguém consome mil vezes mais energia, Elisa.

  Eu finalmente dou o braço a torcer.

  — Então vamos dividir. — ele assente. August tem cabelos ruivos assim como os da nossa mãe, mede por volta de 1.80 e nós três temos olhos castanho-amarelados (uma herança de família). O olhar do meu irmão é tão expressivo quanto o do nosso pai era, mas sua personalidade lembra mais o nosso lado materno.

  Dou uma mordida no sanduíche e sinto tanto prazer ao fazer isso que viro o rosto para não demonstrar o quanto estava faminta. Acabo encontrando o meu reflexo. Sou muito parecida com o meu gêmeo, mas o meu cabelo é mais claro e o rosto mais fino. É estranho, porque pareço estar vendo uma Elie de cabelos escuros, porém mais séria e pálida.

  Minutos depois a minha mãe, Julia, se senta conosco.

— Você está bem mesmo?

— Sim, mãe.

  Ela fica em silêncio por alguns segundos, pensando em alguma coisa.

  — Não, não está tudo bem.

  Franzo o cenho.

— Como assim? O que foi?

— Tenho que contar uma coisa para vocês dois.

  August finalmente parece focar em nós duas, mas fica tão confuso quanto eu.

— Eu recebi uma proposta de emprego.

— De onde?

— Um homem quer que eu trabalhe na casa dele.

— Que homem?

— Ele se chama Stewart, mora com o filho na cidade grande.

— Ele quer que você cuide da casa dele?

— Na verdade, não só isso.

— O que mais?

— O Stewart é uma fera. A mulher dele morreu há alguns anos e ele quer ajuda com o filho.

— Que tipo de ajuda?

— Para livrar ele da maldição.

— Quando o papai morreu, você prometeu que não mexeria com essas coisas, que teríamos uma vida normal.

— Passar fome é ter uma vida normal? — August me pergunta.

— Escuta, Elisa. Quando o seu pai ainda estava aqui, nós tínhamos uma vida. Tínhamos o restaurante e conseguíamos manter a nossa casa, mas ele adoeceu e tivemos que vender o nosso sustento. Ele não queria que vendêssemos o restaurante, não queria que a gente desse todo o nosso dinheiro para o tratamento, mas eu não me arrependo de ter tentado salvar a vida dele, e vocês? — nós respondemos com o silêncio — Só que ele não está mais aqui, e às vezes parece que ele nos levou quando se foi. Nós só estamos sobrevivendo, mas temos que viver. Nós três ainda estamos vivos.

A FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora