Capítulo vinte e sete

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23 de julho


  — Acorda! — Amélia pula na minha cama e me balança, puxando os meus ombros e os soltando. Sinto vontade de empurrá-la e xingá-la das piores coisas possíveis, mas assim que me lembro de como os últimos dias têm sido, eu desanimo.

  — Você já pode ir ver os presentes. E o bolo deve estar uma delícia.

  Eu já estava dormindo há duas horas quando, ontem, meia noite, Victor, Amélia e a minha mãe entraram no meu quarto com um bolo enquanto cantavam parabéns para mim. O tempo até eu ter que soprar as dezenove velas foi o suficiente para que eu assimilasse tudo e me desse conta de que dia era: o meu aniversário. E enquanto eu me dava conta de que estava fazendo mais um ano, percebi que Sloan, em algum lugar, também estava.

  Será que era por isso que Nico não estava aqui? Desde a confusão com o pai de Amélia ele não desgrudava dela, mas justamente no dia em que o seu amigo fez vinte e três anos, ele não deu as caras.

  — Vou só escovar os dentes. — bocejo ao me levantar da cama.

  — Arruma o cabelo também, tô ficando assustada. — depois que eu ergo o meu dedo do meio em sua direção, ela sai do quarto revirando os olhos. Faço algumas contas mentalmente e percebo que hoje é segunda-feira, olho para a minha cama uma vez antes de sair do quarto e ela parece gritar por mim, mas eu resisto aos seus encantos.

  Depois de escovar os dentes e prender o meu cabelo, eu vou até a sala e encontro-os no sofá, rindo de algo. Para a minha surpresa, Nico está aqui. Victor está sentado ao lado da minha mãe sorrindo, ela tem um sorriso minúsculo — e raro — no rosto, e o casal cochicham olhando para algo no celular dela.

  Victor ontem dormiu aqui. Não no sofá, como de costume, mas sim no quarto da minha mãe — o que rendeu muita falação e desconfiança. Eu nunca pensei que eles tivessem algo, mas é bom que tanto ódio tenha se transformado em carinho, a minha mãe precisava mesmo de um namorado. O problema é que eu não consigo disfarçar o quanto isso é esquisito para mim, já que há pouco tempo eles mal se suportavam, Amélia dormiu comigo.

  Ultimamente eu tento fingir que estou bem e fazer com que eles acreditem que eu desisti do Sloan, mas por dentro eu me sinto vazia e me pego sempre repassando os nossos momentos juntos mentalmente. Eu não sei porque me sinto tão mal, tão desanimada com o resto, já que essa nossa história não chegou a durar nem um mês e nós nos encontramos tão pouco, só que eu tentei me sentir indiferente e não consegui. Quando não estou no trabalho, eu me pego sempre deitada querendo dormir, às vezes tento estudar, ler ou coisa do tipo, mas me pego chorando por toda essa merda ao meu redor. Quer dizer, eu tenho só dezenove anos e acabei de descobrir praticamente a data da minha morte, como deveria passar por isso?

  — Finalmente a donzela nos deu a honra da sua presença. — Victor sorri e eu devolvo o sorriso, fingindo que não é uma segunda-feira e estou de pé mais cedo do que queria estar.

  Ouvimos a campainha tocar e eu ergo o meu olhar instantaneamente, quase correndo até lá. Meu coração acelera com a possibilidade de ser Sloan. Abro a porta e quando não encontro nada, olho ao redor.

  — Quem era? — a minha mãe pergunta quando eu me sento no sofá outra vez.

  — Ninguém, acho que só os filhos do vizinho. Eles fazem isso sempre. — eu não a olho nos olhos, não consigo. Essa súbita vontade sua de fazer parte da minha vida não parece nem um pouco inocente para mim, mas se for mesmo verdade, não muda todos os anos que se passaram e ela não parecia dar a mínima.

  — Vamos para os presentes? — Amélia diz, animada, tentando cortar o clima tenso, e então ergue o seu presente em minha direção.

   É um colar que tem sua correntinha dourada, da mesma cor do pingente em forma de rosa, só que este tem uma pequena pedrinha azul no meio. Eu sorrio para ela, amando, sei que talvez ela conheça os meus gostos melhor do que qualquer um.

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