Capítulo trinta e sete

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  Os meus pés tocam a calçada, mas eu me sinto sem chão. Parada em frente à enorme casa onde eu vivi esse último ano, meus joelhos estão tão fracos que eu sinto que a qualquer momento eu desabarei em algum canto, encolhida enquanto choro feito um bebê. Só que eu não ligo para nada disso, na verdade, os meus sentimentos são as últimas coisas que importam para mim agora.

  Se tem uma coisa que eu aprendi sobre mim, é que eu estou destinada a sofrer, como se em outra vida eu fosse uma pessoa horrível e agora o destino estivesse descontando em mim. O problema é que eu fui abençoada ao ter uma família como esta, talvez uma coisa boa para que houvesse o mínimo de equilíbrio na minha história. E por isso sei que se houvesse a opção de tudo ser mais fácil, mas o preço fosse eles, eu não hesitaria em escolhê-los. Isso parece óbvio, eu sei, mas antes de vir morar com Stewart eu não tinha esse mesmo pensamento. Eu odiava o que somos e representamos.

  Resumindo, eu aceito o meu sofrimento, mas na minha família ninguém deve tocar. Prefiro ser alvo de toda a dor no mundo a ter alguém tocando um dedo neles.


  Dou um passo em direção ao portão e ouço Ana desligando a caminhonete no fim da rua. Eu pedi para que ela me trouxesse para cá e voltasse, mas ela disse que me esperaria resolver o que tinha de resolver, aceitei com a condição de que ela ficasse longe daqui.

  O vento gelado que toca a minha pele é contrário à temperatura febril do meu corpo. Empurro as portas de ferro que normalmente estariam trancadas e tenho o caminho livre até a porta da casa. O jardim está mais bonito do que nunca, como se desde ontem a minha mãe estivesse cuidando incansavelmente dele para que ficasse perfeito antes de partir.

  Giro a maçaneta da porta principal, mas essa sim está trancada. Bato duas vezes, esperando que Jessica ou Stewart atendam, mas não há nenhuma resposta. Arthur pode ter feito alguma coisa com os dois?

  Me afasto o suficiente para pegar impulso antes de empurrar a porta com o meu corpo, depositando toda a minha força no meu ombro. A porta não cede nem um pouco, como eu imaginei que fosse acontecer. Tento outra vez, em vão.

  Me sinto com raiva e com calor. Algo está borbulhando dentro do meu peito e tomando conta de mim. Na terceira vez, eu já me sinto tomada pelo ódio, mas ela não abre e meu ombro dói. Na quarta, eu tento abrir a porta com um chute e finalmente funciona. Se não tivesse dado certo, eu a amaldiçoaria.

  Encontro uma sala silenciosa. A TV está ligada, mas não emite nenhum som e tem uma mancha preta no meio da tela, como se tivesse sido atingida por algo. Ao meu redor, está tudo em seu devido lugar, exceto a mesa de centro que fica entre o sofá e a televisão: ela está rachada. Eu me aproximo, mas noto outra coisa de diferente.

  O telefone não está sobre o móvel onde devia, ele foi arrastado com fio e tudo até a parede que fica ao lado da escada. Está colocado no gancho e posicionado de forma que até parece delicada, como se alguém estivesse esperando uma ligação ali, no chão, próximo a uma mochila fechada.

  A minha atenção é tomada por outra coisa desesperadora. Um metro e meio acima do chão, há a marca de uma mão ensanguentada. Gotas de sangue pingaram em alguns degraus da escada e ver isso me acorda do choque em que eu estava.

  Em menos de um segundo, eu subo para o segundo andar correndo. O meu coração está tão acelerado que eu apenas sigo os rastros de sangue nas paredes e chão, assustada pela quantidade.

  Passo pelo quarto da minha mãe, mas dentro dele não há nada além de mais sangue perto do guarda-roupa, e então apresso os meus passos até o quarto ao lado. O meu.

A FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora