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Pain

- Alice Escobar -

Eu estava de volta ao meu apartamento. Não conseguia parar de chorar e aquilo estava me incomodando tanto. Eu estava há tanto tempo chorando e simplesmente não conseguia parar.

Por que eu tinha que ser tão fraca? Por que eu não conseguia simplesmente superar? Por que qualquer coisa que me lembrasse ele tinha que ser um gatilho? Por que eu não podia simplesmente seguir em frente? Então, por que ainda me sintia tão inferior? Por que eu continuava me odiando tanto?

É difícil deixar tudo passar, eu sabia disso, deixar o passado simplesmente desaparecer. Tentei tantas vezes fugir de uma vida antiga, mas isso sempre me arrastava.

Eu simplesmente não conseguia deixar o passado para trás.

Tudo isso, todo esse sofrimento, apenas porque eu não estava pronta para deixar ir, porque eu nunca estaria pronta para me desvencilhar daquela antiga vida, porque eu nunca pararia de sentir falta de tanta coisa, porque eu não conseguia desistir da esperança de que eu acordaria e tudo estaria de volta ao que era antes.

E é por conta dessa falta de coragem de deixar o passado para trás que eu eu não sorria como antes, que eu não deixava ninguém se aproximar, que eu afastava tudo e todos ao meu redor.

Eu vinha sofrendo tanto desde aquela noite.

Eu me perdi naquela noite, eu joguei tudo fora. Esses são os maiores motivos de eu me odiar nesse momento, então eu fui e cedi.

Estou uma bagunça agora.

É por culpa daquele maldito acidente que eu sempre estou me sabotando quando eu estou bem perto da felicidade. Na minha vida, quando vejo que eu estou perto de conquistar a verdadeira felicidade uma pequena parte de mim diz: você não merece. Outra pequena parte diz: eu concordo.

Às vezes eu me perguntava: Eu o amei tanto. Eu amei tantas coisas. Por que, de todas as coisas e pessoas que eu mais amei, eu nunca fui uma delas?

Já fazia alguns meses... Isso é basicamente tempo suficiente para que eu parasse de chorar olhando todas as fotos, parasse de ter qualquer palavra relacionada a ele como um gatilho. Mas não é tão fácil quanto parece.

Quando me perguntavam eu dizia que estava bem, porque eles não se importariam de qualquer maneira.
E eu poderia tentar explicar, mas meus esforços eram em vão. Eles não conseguiam compreender o que eu estava passando e nem vão conseguir.

Tantas sensações ruins percorriam meu corpo. O medo, a raiva por ser tão fraca, as lembranças daquela noite, o cancasso, a exaustão, a falta de sono, o arrependimento e, principalmente, a culpa.

Mas, o que mais me incomodava naquele momento, eram as palavras que eu havia ouvido e que, depois de um tempo, eu passei a acreditar serem verdade.

Palavras são como sementes, penso eu, plantadas em nossos corações em tenra idade. Criam raízes em nós conforme crescemos, enterrando-se profundamente em nossas almas. Nossas boas palavras crescem bem. Florescem e encontram abrigo em nossos corações. Criam caules em volta da nossa espinha, sustentando-nos nos momentos em que nos sentimos mais frágeis; plantam nossos pés firmemente no chão quando estamos nos sentindo inseguros. Mas as palavras ruins também crescem. Elas crescem e se multiplicam como ervas daninhas, como pragas. Nossos troncos ficam infestados e apodrecidos, até nos vermos vazios, abrigando interesses alheios, e não os nossos. Somos forçados a comer os frutos que essas palavras fazem nascer, somos mantidos reféns dos galhos que crescem em volta de nosso pescoço, sufocando-nos até a morte, uma palavra de cada vez.

Neymar voltou para o quarto com uma xícara de chocolate quente. Ele disse que iria preparar alguma coisa para afastar o efeito da bebida e me aquecer.

Meu amigo me estendeu a xícara e se sentou ao meu lado na cama. Seu braço direito me puxou para mais perto dele.

Ficamos em silêncio, exceto pelo som de meu choro, apenas encarando a parede por alguns minutos.

- Quer conversar? - Sua pergunta foi extremamente baixa. Seus dedos continuaram acariciando meus fios de cabelo.

Demorei para responder sua pergunta. Não sabia se deveria entrar nesse assunto, não sabia se estava pronta para admitir aquilo para ele, não sabia se estava pronta para proferir aquelas palavras em voz alta.

- Eu o vi hoje... - Minha voz saiu tão baixa quanto a dele, mas foi alta o suficiente para que ele escutasse e me olhasse espantado.

- Quem você viu, Lili? - Identifiquei o receio em sua voz.

- Leo, eu vi o Leo hoje.

O motivo do meu pavor era compreensível. Neymar prendeu a respiração por um tempo, acredito que nem tenha percebido que havia feito isso. O horror nítido em seu rosto. Ele engoliu a seco antes de voltar a falar.

- Há quanto tempo você tem o visto? - Sua voz saiu rouca e eu notei a aflição em seu tom.

- Ele nunca foi embora, nunca deixamos de nos ver. - Respondi enquanto deixava a xícara em um dos criados mudos do quatro. Sabia que teria que explicar muita coisa.

Neymar entrou em estado de choque ao ouvir minha confissão. Não o culpo, acredito que se fosse ao contrário, eu teria uma reação no mínimo parecida. Contei algo, certamente, inesperado.

Esperei um pouco para que ele absorvesse aquela informação e voltasse a conversar comigo.

- Alice, Leonardo está morto há dois anos.

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