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Monday

- Pablo Gavira -

Acordei com um ruído que não consegui identificar. Uma espécie de estalo. Levei alguns minutos bem desorientadores para perceber que era Alice, a uns cinco metros de mim, tremendo enquanto dormia. Tentei ignorar, sabendo que ela não gostaria que eu fizesse nada, mas me senti culpado. Engatinhei até seu banco e me deitei ao seu lado. Ela acordou imediatamente. Ou talvez nem estivesse dormindo.

- Estou bem. - Resmungou.

- Acho que você adotou essa frase como mantra. Deixa eu te ajudar.

- Não preciso.

- Cala a boca e para de ser orgulhosa.

Sem mais palavras, finalmente parou de resistir.

Alice riu baixinho.

- Que foi? - Perguntei.

- Já tinha mandado alguém calar a boca?

- Não. - Admiti. - Você arranca isso de mim.

- Como foi a sensação?

- Boa, na verdade.

Ela riu de novo e chegou um pouco mais perto, sabendo que um abraço a faria parar de tremer mais rápido.

Ficamos quietos por alguns instantes, só respirando. Respiração que eu podia ver
como uma névoa sobre nós, deitados ali de costas. Estávamos no estádio havia dois dias inteiros, e, embora eu sentisse como se tivéssemos uma espécie de pacto, eu me perguntava se ela reconheceria minha existência fora dessa situação.

- Já somos amigos? - Indaguei.

- Não tenho amigos.

Assenti, ainda que tivesse certeza de que ela não podia me ver.

- Mas... você é menos irritante do que eu imaginava.

- Obrigada. - Provavelmente isso era o mais perto que ela chegaria de um elogio, mas eu ainda me sentia ofendido. Não queria que ela soubesse, por isso acrescentei: - E
você me imaginava com frequência?

Era uma brincadeira, mas o jeito como ela ficou tensa ao meu lado me fez pensar que podia ter alguma verdade nisso.

Antes que ela dissesse qualquer coisa, senti uma pontada em meu estômago.

Alice havia me dado uma cotovelada.

- Sabe... - Eu disse, quebrando o silêncio. - Não era assim que eu imaginava que a gente ia acabar presos. - Sorri maliciosamente, mesmo que ela não pudesse ver.

- A última coisa da minha lista da semana era ficar presa com você. - Foi a resposta que obtive.

- Pelo menos eu estou na lista. - Continuei sorrindo. - Em último lugar, mas estou.

- Juro que um dia ainda te enforco.

- Dependendo da situação, acho válido. - Ri.

Ela não respondeu, só disse:

- Boa noite.

- Boa noite.

Cheguei um pouco mais perto, porque seu corpo ainda estava frio, e tentei dormir. Minha cabeça não parava. Passaram-se cinco minutos, depois dez. O segundo ponteiro do
relógio de parede parecia uma batida de tambor.

- Já estamos aqui há dias e ninguém sentiu nossa falta. - Alice quebrou o silêncio.

- Se você sumisse, eu sentiria a sua. - Percebi que pensei em voz alta. - Quem eu iria atormentar quando não tivesse nada pra fazer?

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