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After the kiss

- Alice Escobar -

Eu tinha beijado Pablo. O que isso significava? Ele queria ficar comigo? Eu queria? Minha cabeça passou a noite toda ocupada com esses e outros pensamentos. Eram tantos que meu cérebro parecia que ia explodir. A culpa retorceu meu estômago até eu sentir que ia
vomitar. Tentei dizer a mim mesma que Leo e eu já não estávamos mais juntos, por isso não havia motivo para culpa. Mas eu ainda gostava do Leonardo. O que estava acontecendo entre mim e Gavi, o que quer que fosse, não podia acontecer. Será que o beijo significou alguma coisa para ele ou foi só mais uma distração? Ainda bem que era fim de semana, porque eu não estava pronta para encarar aquele jogador que era minha dupla nos treinos.

Na manhã seguinte, tirei uma tigela do armário me sentindo uma zumbi. A moça que trabalhava lá no apartamento havia preparado mingau de aveia, e eu me servi de duas colheradas. Neymar entrou na cozinha cantarolando quando eu acrescentava a quinta colher de açúcar mascavo à tigela.

- Não quer um pouco de mingau com o seu açúcar? - Ele perguntou.

- Muito engraçado, Ney. - Coloquei mais uma colher de açúcar e misturei tudo até o mingau ficar marrom.

- Parece cansada. - Ele comentou, indo se servir um pouco também.

Meu peito estava apertado com a conhecida sensação de ansiedade.

- E estou.

- Tudo bem?

Queria gritar que não, mas e depois?

- Tenho um problema insolúvel, só isso.

- Alguma coisa que eu possa ajudar?

- Quem dera.

- Tenta. Seu melhor amigo é bom nessa coisa de achar soluções.

Olhei em volta com cara de deboche.

- Meu melhor amigo? Puxa, é melhor eu ir atrás dele, então.

- Não tem nada de errado em falar na terceira pessoa.

- Eu estou bem, Ney. Sério. - Isso era uma coisa que só o tempo poderia resolver.

Ele deu de ombros e voltou a comer seu mingau.

Tinha prometido ir visitar meu afilhado naquele sábado, então nós fomos cumprir com o combinado depois do café da manhã.

- Não vai mesmo me contar o que aconteceu? - Neymar perguntou.

A chuva caía fina no para-brisa quando Neymar e eu pegamos a estrada rumo a casa do jogador. O aquecedor do carro dela tinha parado de funcionar e o desembaçador soprava um ar gelado, por isso estávamos tremendo. Vesti meu moletom,
depois disse:

- Eu beijei o Pablo.

Provavelmente, esse não era o melhor momento para contar uma coisa tão surpreendente. Mas a reação de Neymar só fez o carro dar uma desviada da faixa, e ele o
endireitou depressa.

- O quê? Quando?

- Ontem à noite. A gente se beijou.

- Então... não é mais uma distração?

- Não sei. - Admiti.

- Por causa do Leo?

- Não sei. Não sei o que sinto por ninguém agora.

- Não pensei que você pudesse estar apaixonada pelo Gavi.

- Eu não estou apaixonada, mas estava a fim dele na hora.

- Acho que o Gavi te confundiu. Se ele não tivesse aparecido, você saberia exatamente o que sente.

Talvez ele estivesse certo.

- Será?

- Você conhece o Gavi há semanas, Lili. Semanas. Mas você está presa ao Leonardo há anos. O Gavi pode ser só um brinquedo novo e brilhante, mas se você quiser, esse pode ser aquele brinquedo que você guarda para a vida toda. Tipo aquele chaveiro do kinder ovo de páscoa. - Ele acrescentou. - Eu tenho uma pelúcia de jacaré do meu primeiro ovo de páscoa.

- Mas acho que tenho que contar para o Gavi sobre como realmente é a minha relação com o Leo. Sobre os fantasmas. Quero ser sincera com ele.

- Acho que devia pensar mais nisso. Decidir o que realmente quer antes de falar com o Gavi.

- Você me odeia?

- Não! Por que te odiaria?

- Não sei. Parece que estou esquecendo o Leo... Eu fiz uma burrada!

- Lili. - Ele afagou minha mão. - Você é minha melhor amiga. Eu nunca te odiaria, ainda mais por seguir em frente, por tomar uma decisão saudável. Estou com você até o fim. Seja qual for a sua decisão, eu vou estar sempre do seu lado.

A mãe de Davi nos cumprimentou com um abraço quando chegamos, como sempre fazia.

- Ele tem uma surpresa para você. - Disse.

- Uma surpresa?

- Vem. - Ela nos levou até a porta da varanda. - Esperem aqui.

Ficamos no corredor, e ela saiu.

- Que surpresa é essa? - Neymar especulou.

- Nem imagino.

Alguns segundos depois, a porta se abriu e Davi estava tentando jogar vôlei com o padrasto.

- Olha quem aprendeu a jogar vôlei! - Davi exclamou animadamente.

- Isso é maravilhoso. - Eu disse, sorrindo.

Continuei parada, observando o desenrolar do jogo. Eles não eram profissionais, mas não jogavam mal.

Davi venceu.

O garoto veio correndo me abraçar.

- Não conta para o meu pai, mas eu aprendi vôlei por sua causa, madrinha.

- Estou muito orgulhosa de você. - E estava mesmo. Muito orgulhosa.

No tempo que durou o abraço, Carol havia percorrido o quintal e estava montando uma rede de vôlei com Neymar e o padrasto do menino. Davi estava radiante.

- Alice pode ir conhecer a nova decoração do meu quarto e a minha coleção de cereais, mãe? - Ele perguntou.

- É claro. Comporte-se. - A mãe respondeu, apontando o dedo para ele como se soubesse em que tipo de confusão Davi podia se meter.

Ele sorriu com ar inocente.

- Eu sempre me comporto, mãe.

A criança pegou uma de minhas mãos e me levou até o quarto.

Fiquei surpresa com a nova decoração. Estava esperando algo no ramo do futebol, dos videogames ou até mesmo do basquete, mas não uma decoração com aquela.

- Seu pai vai ficar com ciúmes. - Falei, apreciando a vista.

- Meu pai é um careta. - Ele respondeu.

Eu ri de sua resposta.

O quarto do garoto, que antes tinha o tema de futebol, agora era voltado para o vôlei. Tinha versões de bolas de vôlei na estante, onde antes tinha bolas de futebol, e uma camiseta Barcelona 22 de vôlei feminino enquadrada, no lugar que antes era tomado por uma camiseta número 10 da seleção brasileira.

- Agora vamos comer cereal antes que minha mãe apareça dizendo que se eu comer mais vou ter dor de barriga. - Anunciou e me puxou para fora do quarto, correndo em direção a cozinha.

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