– você desmaiou ontem no meio da festa, eu te trouxe para casa para que pudesse descansar. Beba água, vai te ajudar a melhorar
– obrigada –pego o copo de sua mão e bebo a água
Eu bebi no máximo sete copos de água até que meu estômago não aguentou mais e precisei parar. Várias lembranças daquela noite vem de uma só vez em minha mente passando como um filme, aquela criatura tinha posto uma corda em meu pescoço. Passo a mão no mesmo não sentindo nada, mas as palavras daquela garota não sai da minha mente
"É menos doloroso se não tentar tirar"
Foi realmente uma alucinação? Me levanto da cama e digo a Kairo que darei uma volta pela cidade, ando pelas ruas determinada a achar aquela garota, pergunto a todas as pessoas se elas a viram mas ninguém a viu hoje. Até que por alguns razão alguém me chama atenção sentada na calçada enquanto come uma maçã.
É ela
Vou até a mesma e gentilmente me pergunto se posso me sentar ao seu lado, ela permite, mas ainda não sei como começar um assunto até chegar no ponto que desejo
– eu queria te perguntar uma coisa
– é sobre as cordas, não é?
– isso... O que sabe sobre isso?
– essas coisas são kontrolluri -diz ela com um pesar- criaturas perversas que vivem nas sombras. Eles nos amarram sem percebermos e controla nossas vidas. A maioria esqueceu oque aconteceu com eles, outros nem sabem que são controlados.
– como se livrar deles? Como fazer eles irem embora?
– não tem como se livrar deles. Aceitar é menos doloroso que lutar contra. Tudo que pode fazer é festejar e torcer para não ser forçada a ter que fazer algo além disso
– tipo o que?
– tipo matar o Kairo, ou atear fogo em uma casa cheia de crianças. Somos escravos, fazemos tudo por livre e espontânea obrigação por nunca conseguir nos livrar das cordas. Elas sempre voltam. Não dá para fugir
– e o que acontece se não obedecermos?
– a corda é puxada e então morremos. Não temos opção, eu já vi acontecer, todos aqui preferem ficar bêbados para não lidar com a realidade de não conseguir sair das cordas e outros realmente não sabem que são manipulados, outros também fingem estar tudo bem por medo de enfrenta-los
– eu ainda não perguntei o seu nome
– é Sandy. E você, novata?
– Adalia
– aaah, a graciosa Adalia que saiu da cerca e veio para nossa festa virar um copo de uma vez. Você ficou famosa
– é –digo sem graça– eu não devia ter cruzado a cerca
– você veio atrás de liberdade e achou escravidão. Que sorte, novata. Mas você não vai ficar sozinha, podemos ser amigas agora, assim eu posso te ensinar a como não ser devorada nessa cidade
– obrigada, Sandy. Agora preciso ir, obrigada por esclarecer as coisas
Me levanto da calçada indo embora com o choro preso na garganta e o arrependimento massacrando meu coração fazendo-me sentir pontadas agudas no mesmo. Eu não sei oque é pior, a vergonha que tenho de voltar para casa ou ter uma criatura me controlando e pode ser neste exato momento.
Ao olhar para cima não vejo absolutamente nada, talvez eles apareçam apenas a noite... Quando a luz da lua bate na folhagem das árvores... Eu esqueci de perguntar isso para elaDecidi não voltar para casa de Kairo, fico apenas andando pela cidade, entre suas ruínas e propriedades destruídas, ainda não sei o que aconteceu nesse lugar, quando vim aqui pela primeira vez não dava para perceber que era uma cidade destruída, depois que voltei a luz do dia que pude ver com clareza, e andando mais por lugares desconhecidos pude ver que há lugares onde nada se salvou, há apenas uma casa e não sei se alguém mora nela.
Volto para casa de Kairo, ele estava moldando argila para fazer uma escultura nova, não sabia que ele fazia esculturas, até ele me contar que ele vende suas obras para lojas e ganha dinheiro para se sustentarO tempo está passando e estou ficando cada vez mais entediada. Eu também não tinha muita coisa para fazer no vilarejo, mas pelo menos sempre estava aprendendo algo novo, aqui tudo caiu na rotina me fazendo perder o encanto. Mas preciso me adaptar, não posso voltar para casa.
A noite cai e hoje decido não ir a festa, por alguns razão me sinto cansada e Kairo decide não ir também, ele quer ficar aqui comigo. Ele está deitado no chão ao lado da cama, está dormindo feito um bebê com sua expressão serena e tranquilla. Eu ouço o som abafado dos tambores, das risadas e cantorias do pessoal festejando do ladonde fora, enquanto eles estão alegres, as lágrimas escorrem do meu rosto sem nenhum motivo aparente
Estou com saudade de casa, eu quero voltar, eu quero muito voltar, mas não vou saber lidar com a decepção que causei a Lion.Agora o desânimo invade meu ser novamente trazendo uma dor absurda em meu peito, eu não entendo o por quê isso acontece, mas ela está aqui e sempre volta. Não adianta o quanto eu tente me livrar, não adianta o quanto Kairo tente me distrair, não adianta quantos copos de bebida de maçã e cereja ou vinho eu tome, esse abismo que suga toda felicidade que nasce em meu coração sempre vai ficar instalado em meu peito.
Quebra de tempo
Duas semanas depois
São três horas da madrugada e me encontro presa em um estado de sono e insônia ao mesmo tempo.
Minhas pálpebras pesam, mas quando decido dar uma chance ao sono ele vai embora, é como se ele pregasse uma peça e esperasse a esperança reacender em meu coração me fazendo achar que vou dormir e então quando fecho os olhos, as pálpebras voltam a ficar leves fazendo elas se abrirem novamente mandando todo cansaço embora.Mas o cansaço mental permanece.
Há dias e dias, mas esses dias eu não tenho vontade de sair do quarto, não quero comer, beber, apenas dormir por dias. A sensação de estar presa em si mesmo e ter de lidar com a frustração de voltar para o fundo de poço de novo mesmo você já tendo saído dele mas as raízes que criamos nele nos arrastam sutilmente e você nem percebe que foi parar lá, só se dá conta quando do nada o dia se torna escuridão e novamente tudo volta a ficar sem graça
Olhar para as pessoas, lidar com elas, e sorrir fingindo estar tudo bem é muito cansativo, principalmente quando só você sabe que elas estão sendo controladas e a única coisa que nos tornam iguais são essas cordas presas em nosso pescoço. As manchas que antes eram interiormente começaram a aparecer exteriormente tomando conta do meu corpo, meu braço, em cima da costela, metade da minha bochecha, a ponta dos meus dedos, meu corpo está sendo invadido por essas manchas há uma semana. Agora eu pertenço a essa cidade, vivo me embebedando para tentar esquecer o caos que eu mesma criei mas não resolve, pela manhã junto com a enxaqueca tudo volta ao normal e eu não consigo sair das cordas e nem mesmo de mim
Eu já estive aqui antes, eu já saí daqui antes e agora me encontro aqui novamente, e isso se torna mais assustador quando o lugar que você saiu e que não consegue sair é o seu próprio quarto.
Isso é assustador
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O Soldado, O Poeta e o Rei [Em Revisão]
FantasyCriada em um vilarejo por um mestre, a jovem Adalia leva uma vida simples sendo aprendiz de guerra para ajudar outros jovens exilados nas florestas sombrias e resgatar aqueles que precisam da cidade perdida. Adalia não sabe seu lugar de origem, muit...