Tempo de conhecimento

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Ao acordar no dia seguinte, percebo que a claridade do sol havia invadido todo o ambiente deixando assim tudo claro em tons quase dourados.

– por quanto tempo eu dormi? –pergunto a mim mesma

Olho para os lados vendo que Takeshi não estava mais na cama e Meraki parecia não estar perto de acordar.
Levanto-me da cama sentindo meu corpo leve, fazia tempo que eu nao dormia tão bem. Saindo do quarto me dirigindo para a cozinha vejo que a mesa já está posta, há pães assados com chá, que também há flores brancas dentro do mesmo mas os meninos não estão na casa

– você acordou! –disse o Poeta ao entrar pela porta da frente– como está se sentindo?

– estou bem. Onde está Takeshi?

– está do lado de fora regando as flores. Ele também vai colher alguns morangos. Por favor, sente-se e coma, eu fiz novamente para você

– muito obrigada –digo me sentando

O Poeta analisa todo meu rosto acompanhado com um sorriso e canto, seus olhos estão fixos em mim, tão fixos, que não parece estar apenas olhando meu rosto, e sim minha alma

– você parece estar melhor –disse ele quebrando o silêncio

– sim, estou me sentindo leve. Faz muito tempo que não me sinto tão bem

– você só está assim porque seu coração está aberto para isso. Se não estivesse não poderia entrar

– o que quer dizer com isso?

– você tem outra dor em seu coração. Você se separou de alguém que gostava muito

– como... como você sabe disso? -pergunto espantada

– eu já lhe disse que sei de tudo. Você pode conversar comigo, conte a mim tudo oque está acontecendo

Então um nó de fios farpados se formou em minha garganta, isso me sufoca diante de tamanha angústia que sinto no meu peito.
Todas as lembranças vem de uma só vez, Kairo, a traição que cometi a Lion, as noites na cidade manchada, as manchas que estão no meu corpo, todo prazer e diversão que tive sem nem pensar uma vez no que Lion sentiu ou poderia estar sentindo em saber que sua aprendiz estava jogando todos os seus conselhos e ensinamentosno lixo. Tudo oque eu fiz me causa vergonha e dor não consigo ter palavras para descrever tudo oque está acontecendo dentro de mim pois nem eu mesma sei

Lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, não me contenho em deixa-las cair. As palavras estão na ponta da minha língua mas não consigo dize-las, tudo que consigo fazer é lamentar e chorar, uma dor tão agoniante que aperto meu peito, a voz some e o ar se vai.
Braços calorosos envolvem meu corpo, vejo que é o Poeta me abraçando e inexplicávelmente isso me causa mais dor e tristeza como se seu abraço estivesse expulsando toda essa dor de mim

– eu te entendo, entendo sua dor, entendo cada gemido seu e cada palavra não dita. Você está segura agora, está tudo bem

– eu não tive a intenção de magoa-lo –digo chorando

– eu sei, eu entendo sua alma –o mesmo se separa do abraço e delicadamente levanta minha cabeça que antes estava abaixada– fique calma

O Poeta soprou em meu rosto depois de dizer essas palavras. Minhas lágrimas secaram e a dor cessou, toda a angústia foi parar em alguns lugar do universo menos dentro de mim e em questão de poucos segundos todas as minhas lembranças não me atormentavam mais. Olho para ele confusa, eu sei que isso se foi com apenas um sereno sopro que saiu de sua boca. O Poeta me encara com uma expressão mansa

– de onde sai tanto poder?

– eu sou o poder

– eu não... eu não entendo

– Adalia, pare de tentar entender o inexplicável e apenas aceite

– é que tudo isso é novo para mim. Eu não sei como reagir... confesso que estou um pouco assustada

– está tudo bem –diz entre risos– é normal sentir medo

– você vive aqui sozinho?

– sim

– e não tem medo de que alguém invada sua casa ou tente lhe fazer mal?

– aqui é seguro porque eu estou aqui, nenhum mal neste reino ousaria tentar algo contra mim

Estou muito curiosa a seu respeito, fiz diversas perguntas para o mesmo e ele me respondia com paciência. Não demonstrava achar tedioso ou invasivo, pelo contrário, ele as respondia com prazer
Mas de repente ele ficou em total silêncio sem me responder uma só palavra, fico preocupada por achar que perguntei algo que não devia

– eu fui muito invasiva? -pergunto receosa

– não é isso, Adalia, tem perguntas que eu não posso lhe responder ainda. Não que eu não queira, mas ainda não é o tempo de você saber

– compreendo. Quando eu estiver pronta, e eu espero que seja logo, por favor favor esqueça de me responder

Então alguém entra pela porta, esse alguém é Takeshi segurando em suas mãos uma cesta cheia de morangos.
Ele me cumprimenta com um quase boa tarde enquanto põe a cesta em cima da mesa. São morangos enormes, de aparência suculenta e bem avermelhados, muito chamativos.
Levo minha mão na direção de um para que então eu venha saber se o sabor é tão bom quanto sua aparência, mas Takeshi afasta minha mão antes que eu pudesse tocá-los

– por que fez isso? –pergunto frustrada

– são para fazer geleia, não pode comê-los agora

– mas são muitos, que mal faria pegar um?

– muito mal. Se sobrar eu lhe dou. Onde está Meraki?

– ainda dormindo. Deixe-o descansar –disse o Poeta– o fardo que ele vem carregando é muito pesado

– o que você sabe sobre o Meraki que nós não sabemos? Ele não nos conta nada além do superficial –perguntei a ele

– eu sei mais sobre ele do que ele sabe sobre si próprio, mas isso é algo que ele tem que dizer a vocês por vontade própria

A curiosidade desperta em mim, realmente quero saber oque aconteceu com Meraki no passado e oque ele fez, mas respeito sua vontade, quando ele quiser falar, estarei pronta para ouvir.
Ao cair da tarde, quase noite, Takeshi e e o Poeta sumiram. Talvez o Poeta tenha o levado a algum lugar. Mas o problema é que está na hora da ceia e meu estômago está roncando
Meraki já está de pé e também sente fome, mas não queremos ser invasivos e mecher nas coisas do Poeta

A noite então cai por completo, as estrelas começaram a enfeitar o céu e a brilhante lua cinzenta ilumina a noite.
Takeshi atravessa a porta junto com o Poeta, eles estavam rindo sobre algo e conversando sobre alguma coisa

– onde estavam? -perguntei

– precisei conversar com Takeshi a sós –disse o Poeta– coisas particulares. Estao com fome?

– muita! –expressou Meraki–

– farei algo para comerem. Esperem alguns minutos

Takeshi sentou-se ao lado de Meraki, consigo notar que sua expressão cansada de antes que o deixava mais velho, foi convertida a uma expressão mais limpa, serena, mais jovial como era antes, e até melhor

...

O cheiro começou a invadir minhas narinas, a fumaça saía do caldeirão e as  bolhas que nasceram no líquido da sopa indicavam que atingiu o ponto certo de fervura.
O Poeta pega três tigelas e as distribuí a nós quando já posto a sopa na mesma.
Aproximo meu corpo da mesa ficando mais perto da tigela fumegante. A noite está fria, nada cairia melhor do que esta sopa acompanhada de ervas finas e batatas, junto com carne que julgo a ser de veado. Levo a colher até meus lábios assoprando a mesma, e então, ponho a colher na minha boca sentindo meu corpo ir ao céu com tamanho sabor

Posso dizer com firmeza e clareza que esta é a melhor sopa que já comi em toda minha vida.
Os meninos também gostaram, pois nem esfriaram, apenas davam uma colherada atrás da outra

O Soldado, O Poeta e o Rei [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora