A besta

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– e se falhar?

– não vai falhar, pare de dizer isso! Você já tem alguma ideia do que vai fazer para nos tirar daqui?

– estou estudando o local primeiro. Para os magos terem invadido a mente do jovem Ezra deve ter algum ponto de contato, mas ainda não sei onde

– Adalia –ele ri ironicamente– você ainda não entendeu? A cidade é o ponto de contato. Todo o sistema, cada pedra pedra chão até os fios de cabelo das nossas cabeças são pontos de contato  tudo isso graças aquela maldita estátua. Eu tentei derruba-la mas nao consigo sozinho

De repente como se uma luz acendesse em minha mente nasce uma nova ideia

– e se reunirmos todo o povo para puxar as correntes? Conseguiremos derrubar esta estátua e libertar todos

– não seja insano como eu, Adalia. Foi assim que ganhei a cicatriz no rosto

– a estátua te arranhou?

– não –ele suspira com pesar mostrando que esse acontecimento ainda o deixa mal– eles perceberam que eu ia chegar até a estátua e uma besta me arranhou, a pior de todas que eu já vi em toda minha vida. Seu corpo é de um touro mas não tem pelos, sua pele é escorregadia e escamosa. Seus olhos são vermelhos como a fúria de um exército de demônios, ele não tem pupila e fica brilhante na escuridão. A cabeça é de um homem, mas ela se divide em três tendo uma delas uma língua de chicote envenenado que paralisa sua vítima. Consegui vencer com a ajuda do Poeta, é claro, porque não seria una luta justa, mas ele arranhou o meu rosto deixando ele dessa forma. Todo meu esforço fracassou, pois não consegui derrubar a estátua porque ouvi seus passos vindo até mim, eu estava tão assustado que não consegui completar a missão mesmo sabendo que daria conta. A partir deste dia eu evito ir até a estátua ou ousar passar perto de onde ela fica, fiquei oprimido e amedrontado, me acostumei com este lugar e me tornei prisioneiro

– que coisa horrível... já vi que terei muito trabalho pela frente

A claridade começou a invadir o ambiente, percebemos que o sol já estava nascendo e passamos os últimos momentos da madrugada lutando contra Ezra possuído e contando nossas experiências... bem, Kaizer contou.
Levanto-me do chão indo para fora, Kaizer me acompanha perguntando oque pretendo fazer literalmente no início do dia. Digo a ele que preciso encontrar a entrada da estátua, no meio do caminho ele para me encarando incrédulo

– você não ouviu nada do que eu disse?

– eu não vou entrar, quero apenas saber onde fica. Se não vai me ajudar, pode voltar e dormir

– eu não vou deixar você ir sozinha. Eu vou te mostrar onde fica mas eu não vou me aproximar

Fizemos um acordo, indo até o fim da cidade adentrando no meio dela Kaizer parou de andar, com as mãos na cintura enquanto encarava com tensão todo o ambiente

– é aqui. Não podemos passar daqui, se quiser ir, não vou buscar seu corpo. Se tiver um

Ouvir isso me deixou assustada, perguntei para o Poeta em um tom onde Kaizer não pudesse ouvir mas não obtive resposta, meu coração está relutante, já entendi que não é para mim passar deste limite estabelecido.
Ouço um rugido que gela até minha espinha, um rosnado misturado com um uivo sombrio que complementam o rugido que saiu daquele lugar. Um som tão tenebroso que só pode ter sido emitido por uma criatura que saiu das profundezas do inferno.
Kaizer puxa o meu braço dizendo que precisamos sair, ele já sabe que estamos aqui e que se avançarmos ele também não vai hesitar

Voltamos para o centro da cidade, um misto de sentimentos está em meu coração, tão confuso que me causa dor como se um nó estivesse apertando meu peito.
No meio do caminho avistamos magos usando capas vermelhas, os mesmos que nos perseguiram e mataram Nate. Eles estão com os polegares posicionsfos na testa das pessoas, ficam cerca de cinco segundos e vem outra. Elas não parecem relutar, pelo contrário, estão ali porque querem.
Quisemos nos esconder, mas o Poeta nos mandou ficar pois não nos fariam mal. Decidi confiar nele pois já vi isso acontecer quando eu e os meninos estávamos na casa de Uriel e ele me tornou invisível para aqueles homens.

Kaizer se apoiou na minha credibilidade pois ele está um pouco assustado. Os magos vieram, eles passaram por nós olhando dentro dos nossos olhos mas não nos fizeram nada. Não porque não quiseram, mas porque não puderam. Ao nos olhar por mais tempo, eles se assustam com algo, abaixam a cabeça seguem em frente ignorando completamente a nossa existência

– obrigada, Poeta –agradeço ao mesmo

Kaizer corre na direção de um rapaz que estava sendo tocado na testa pelos magos. Acompanho o mesmo tentando entender oque tinha acontecido, Kaizer segura o rosto do mesmo examinando-o desde os olhos até a ponta de seus pés, vendo que estava tudo bem, ele põe as mãos mãos seus ombros sem quebrar o contato visual.

– você se lembra de quem é você?

– eu sou Hélio –respondeu ele

– mas de onde? De onde você veio?

O rapaz se faz pensativo como se não conseguisse lembrar sua origem.

– eu não sei –ele responde– não nasci aqui?

Kaizer deu passos para trás um pouco atônito, ele se vira para me procurar mas eu já estou atrás dele.

– os magos... estão apagando nossas identidades

– como assim?

– eles querem nos fazer esquecer de onde viemos para não cogitar a ideia de sair. Eles fizeram isso a dois meses atrás mas não sabia que fariam novamente

– e o por quê disso tudo?

– eu não sei. Mas de algo eu sei, eles querem nos controlar

Por que? O que eles querem? Agora tenho um dos seus objetivos, eles querem fazer você esquecer.
Me sinto pesada, sinto náuseas e tonteira, tento me mover mas tropeço em meus próprios pés. Ouço a voz preocupada de Kaizer me chamando, ela parece distante mesmo estando ele me segurando para não cair.
Ouço uma melodia suave e doce, ela me faz querer adormecer e não luto contra ela, pois não me apresenta ameaça... e se for uma? Desesperadamente procuro lutar contra este sono mesmo sentindo meu corpo me puxar para baixo

Sinto ele ir ao chão mas Kaizer esta me segurando e chama meu nome freneticamente, a força que faço para manter meus olhos aberto os faz arderem e é quase insuportável mante-los abertos.
Não resistindo acabo fechando meus olhos e a última coisa que ouvi foi Kaizer dizer "por favor, abra os olhos"

Abro meus olhos assustada, estou na minha antiga vila onde eu morava com Lion. Está vazia, não há ninguém aqui. A cerca está aberta e o vento chama meu nome da mesma forma como antes. Decido seguir o mesmo, acabo na cidade perdida e lá está acontecendo muitas festas e bebedeiras.
De repente num piscar de olhos fui parar em uma casa, olho ao redor reconhecendo o tapete de pele de urso e a mesa de madeira com un arranjo de flores azuis em cima. É a casa de Kairo

– você chegou –disse ele atrás de mim

– Kairo? –me viro de frente para o mesmo não acreditando que pude ver seu rosto novamente

– eu senti tanta saudade –o mesmo vem me toma em um abraço apertado

Me afasto do mesmo olhando apenas seu rosto, delicadamente ponho minhas mãos em sua face sentindo sua pele macia novamente. Meus olhos se enchem de lágrimas– você está vivo

– sim –ele sorri– achei que não fosse nunca mais te ver depois de ter ido a missão. Eu sempre olhava para a porta da floresta imaginando você voltar. Que bom que desistiu daquela missão insana de derrubar a estátua e soltar todas aquelas pessoas, agora você está segura

Meu sorriso se desfez ao perceber sua fala. Este não é o Kairo

– Kairo, como sabe sobre a missão?

– você me contou

– não. Nós nos separamos na noite em que esta cidade foi invadida, eu fui embora sem antes me tornar uma guerreira. Você não é o Kairo

O cenário se desfez e de repente estou no meio da minha antiga aldeia. Suja e com a roupa rasgada nas bordas, estou fedendo a vinho, provavelmente acabei de voltar da festa.
Lion está a poucos metros de distância, em seu olhar há o peso da decepção e da vergonha que o fiz sentir

– você me decepcionou muito, Adalia. Seria melhor não ter voltado

O Soldado, O Poeta e o Rei [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora