Capítulo XLII

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Durante algumas horas do jogo do rei de ouros Kuzuryu Keiichi foi mais um telespectador de seu próprio experimento do que alguém ativo nele. O homem estava em busca de respostas e Shuntaro Chishiya também.


A única mulher que competia havia acabado de morrer quando o advogado suspirando, levou as mãos na frente do rosto as entrelaçando como vezes fazia, pensativo sobre tudo que vivenciou.


— Eu vi que está andando com a Akemi — Ele finalmente disse virando os olhos para o sarcástico gato branco que o encarava de maneira solitária — Desde a primeira vez que a vi tudo o que conseguia pensar era o quanto vocês dois conseguiam fazer uma dupla extremamente oposta. Até mesmo quando comparado com a Kuina.


— Temos de fato alguns pensamentos que colidem com a opinião um do outro — Shuntaro disse se recordando das vezes em que seus pensamentos bateram de frente ao ponto de ser perigoso para a convivência de ambos. Akemi fingia que não, mas era uma mulher doce e que respeitava até demais os limites das outras pessoas. Mas ao mesmo tempo conseguia o irritar pela falta de noção em diversas questões — Creio que também temos pensamentos diferentes Kuzuryu.


— Você parece gostar bastante da companhia dela — O homem falou fazendo o loiro pensar. Ele gostava, no fundo, e odiava admitir isso ou ter esse fato trazido à tona por outras pessoas. Deveria ser difícil enxergar os sentimentos de Shuntaro no meio de sua calmaria selvagem, mas em alguns momentos ele se tornava água limpa para aqueles que o encaravam de perto.


Esses momentos ele abaixava a guarda, nesses momentos ele via Akemi brincar e zombar dele e ele respondia a altura, nesses momentos Kuina se empoleirava na raposa e as duas gargalhavam. Eram momentos de calmaria e tranquilidade, as vezes como um telespectador, as vezes decidindo ser mais ativo e de fato participar.


— Eu não diria que eu gosto da Akemi — Ele falou apertando o número 100 sabendo que Kuzuryu iria arrastar aquele confronto para algo em pé de igualdade para ambos os lados.


— É uma pena que mente até mesmo para você — O homem disse quando a voz anunciou para os dois competidores que ele havia perdido aquela rodada. Keiichi pode acompanhar aquele mundo e seu desenvolver de perto, seja pelo que Mira vezes falava em seus momentos de euforia ou ele mesmo presenciava ao vivo ou pelos telões. O que importava era que o homem sabia bem o que estava falando e tinha certeza disso.





O jogo do rei de ouros pareceu mudar algo em Chishiya. Sua mente cansada precisava não saber onde começar a processar tudo, tanto as lembranças de seu passado naquele outro mundo as memórias que compartilhava com Akemi, Kuina, Arisu e Usagi.


De certa forma eles influenciaram — cada um de sua própria maneira e grau — a começar uma mudança em sua mente que o rei de ouros só deixou de maneira mais clara estar ocorrendo. Mesmo que em passos curtos e aos poucos, na sua própria velocidade Shuntaro desenvolvia mais do que nunca uma opinião não apenas cruel do mundo.


Não seria tão pura e inocente como a de Ippei, ou de Arisu que se sacrificava por estranhos sem nem questionar, algo mais próximo de Kuina e Akemi que lutavam para voltar aos braços das pessoas que a aguardavam... Tons de cinza como Akemi um dia disse.


No momento, naquele exato momento, ele queria muito descansar um pouco antes de ter de novamente lidar com aqueles pensamentos e tentar resolver tudo o quanto antes. Desde que se afastou da dançarina tudo o que ele fez foi andar até a carta de ouros onde era seu destino.


Demorou algumas boas horas, parando até mesmo para tentar descansar durante a madrugada antes de continuar a andar. Tudo para que sua mente pudesse manter suas energias para limpar o jogo do rei, no entanto, seus olhos pesados não adormeceram.


Ele parecia no máximo cochilar por alguns poucos minutos, fisgadas de sua consciência. Todas as vezes que acordava seus olhos institivamente vasculhavam o lugar se assustando — mesmo que por apenas alguns míseros segundos — pela ausência de Akemi até que sua mente cansada, e acostumada a ver ali, se recordar que haviam se separado.


Chishiya não iria falar sobre isso, já se julgava o suficiente por cometer esses erros.



Ele abriu a porta sendo o único que sairia daquela construção que no outro mundo tinha tamanha importância social. Seus pés cansados caminharam até a rua, os olhos vasculharam de maneira calma em busca da figura que deveria logo chegar devido à carta em chamas significar sua vitória.


Mas Akemi estava demorando muito, os fios loiros que precisavam retocar a raiz balançaram com a ventania aos poucos gélida que aquele mundo estava se tornando. Será que o inverno se aproximava? Se aquele lugar pode ter variações de clima, o inverno deveria ser uma das piores situações para tentar sobreviver junto de jogos tão insanos.


O gato branco escutou um som de passos, se virando, os olhos indo até a silhueta esperando ser a raposa, a feição tranquila tomando algo mais questionador e distante.


— Eu me perdi, mas acho que não foi uma ideia ruim — A voz feminina falou ao encarar melhor Chishiya. A garota vários anos mais nova se aproximou revelando sua perna amputada com uma prótese metálica — Que bom que eu encontrei alguém. Eu me perdi do meu grupo e estou com medo.


A garota parecia forçar a voz, o corpo com um busto mais avantajado começou a ser projetado para mais perto de Shuntaro invadindo sua zona segura sem sequer pedir permissão para tal ato. Isso normalmente irritava o homem, agora com a mente ocupada e apenas se questionando onde sua parceira estava, lidar com isso era só mais um fardo.


— Eu tenho mais o que fazer — Ele disse dando dois passos para trás preparado para tomar um caminho diferente.


— Que maldade da sua parte — Choramingou puxando a manga branca da jaqueta — Essa sua frieza só me deixa mais atiçada... Por que não vamos juntos até onde planeja ir e quem sabe a gente não faz algo mais quente...


— Me solta — Chishiya puxou o membro sentindo o choro ruidoso da figura feminina que acompanhava seus passos.


— Homens malvados me deixam tão animada, eu amo — E se aproximando novamente, parou dando uma arrumada em sua saia a deixando ainda mais curta — Meu nome é Heiya. E você? Tem parceira? Pois eu não tô vendo nenhuma.


Shuntaro Chishiya que já estava chegando ao seu extremo de paciência elevou os olhos para não muito longe no horizonte dando um estalo de sua língua antes de seus lábios se puxarem em um sorriso sarcástico e felino.


A mulher empoleirada no seu braço foi puxada com toda a força e antes que pudesse soltar alguma reclamação, a lâmina foi pressionada contra sua garganta enquanto algo metalico tocava seu quadril. Olhando pelo canto, pode ver a arma deixada próxima de um ponto perigoso em uma ameaça certa de que seria morta sem que o dono pensasse duas vezes.


— Desculpa, mas ele tem parceira, Heiya — A voz era fria e calma, aos poucos a mais velha puxava o canivete para longe da garganta da adolescente deixando apenas a arma mirando na mulher — E meu gato branco não é muito de gostar de contato de desconhecidos. Gostaria que respeitasse muito bem isso.


— Teria sido bem mais fácil falar que tem uma namorada possessiva, bonitão — Heiya zombou levantando as mãos para aos poucos se virar encarando Akemi.


Ambas tinham certa semelhança na aparência, os fios curtos agora crescendo da dançarina escondia um pouco seu rosto coberto por pequenos cortes e arranhões. Mas a beleza escondida naqueles orbes diferentes fez a garota ponderar se deveria comentar algo sarcástico sobre e arriscar um tiro em seu estômago.


— Não namoramos — Akemi falou vendo Shuntaro se afastar — Você tá fazendo o que aqui? Esperando alguém?


— Eu estava seguindo um conhecido meu, mas acabei me perdendo.


— Quem?


— O mundo é bem grande sabia, não sei o motivo de perder meu tempo falando o nome das pessoas se não vai saber quem é.


— Você é um saco — A dançarina revirou os olhos enquanto prendia sua arma no cinto que carregava. As mãos foram até os bolsos de sua calça tomando uma postura que estava se tornando um hábito — Vamos Shun. Eu quero conversar sobre o plano do Arisu.


— Arisu? — Heiya questionou incrédula — Você conhece o Arisu?


— Onde você viu ele? — Shuntaro foi o primeiro a questionar, sem muita paciência para aquela jogada de assuntos fora.


— Eu estava seguindo ele — Heiya revelou — Eu e meu parceiro Aguni salvamos ele do rei de espadas, mas ontem a gente foi atacado por ele e eu segui o Arisu até aqui. Ele sumiu e eu estava o procurando.


— Aguni está vivo? — Akemi parecia surpresa e ao mesmo tempo não muito, faria sentido alguém bruto como Aguni ter sobrevivido se Niragi também conseguiu. Quando soube sobre aquele verme ainda respirar, toda vez que pensava nisso, suas entranhas pareciam se retorcer — Se Aguni está vivo podemos nos juntar com ele para o jogo de espadas.


— Acho arriscado — Chishiya disse vendo ambas as mulheres o encarar.


— Você não vai participar — Sua parceira falou sem se importar com sua opinião — Você é fraco demais para um jogo de espadas e outra, temos ainda de limpar a rainha de copas... Por sinal, você tá só o pó.

Raposa | Shuntaro ChishiyaOnde histórias criam vida. Descubra agora