O trato

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Existe um ditado popular que diz que "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura" e eu estava torcendo muito para que isso fosse verdade. A ruiva me encarava com os olhos molhados pelo choro enquanto se encolhia pelo frio e mais uma vez me aproximei insistindo em colocar meu casaco ao redor dela.

— Rach eu posso te ajudar e você com certeza é a única pessoa que pode me ajudar, então por que não deixamos nossas diferenças de lado e nos unimos por um bem maior?

Ela deu uma risada fraca daquelas que somente um pouco de ar sai pelo nariz e mais uma vez me afastou recusando meu casaco e minha ajuda.

— E qual o seu plano Jay? Me transformar em uma dessas garotas com cabelos lisos que se importam mais com a maquiagem estar borrada do que com o aquecimento global que as grandes indústrias que produzem esses produtos causam no mundo? Pretende que eu finja ser alguém que eu não sou para conquistar alguém?

Ela me encarou como se esperasse uma resposta e seus olhos ficavam ainda maiores com aqueles óculos fundo de garrafa tornando quase impossível para mim argumentar com ela.

— Não, não quero te transformar em outra pessoa, mas acho que tem coisas que você pode mudar que vão fazer.

— Deixa eu adivinhar Jay. Você vai dizer para eu parar de usar óculos e usar lentes?

Ela tirou os óculos e foi a primeira vez que eu vi o rosto dela sem eles.

— Quer que eu alise meu cabelo?

Eu tentei argumentar, mas ela logo continuou.

— Você quer que eu vire a droga de uma Barbie só porque é isso que os homens querem?

Ela deu de ombros e voltou a colocar os óculos.

— É justamente por isso que eu gostava dele... Pensei que ele era diferente.

Ela suspirou pesadamente olhando para o chão antes de voltar a me encarar.

— Mas se ele é igual a todos os homens, então quem não quer mais saber dele sou eu. Não vou me encaixar em nenhum padrão para que ninguém goste de mim. Então não Jay, eu não quero a sua ajuda!

Ela se virou novamente indo até o metrô e começando a descer as escadas.

— Caramba garota, deixa de ser teimosa! Eu posso te pagar, eu faço o que você quiser!

— Vou dizer onde você pode enfiar seu dinheiro.

Ela nem ao menos se virou para me insultar e continuou descendo, ela era minha única chance e quanto mais ela se afastava, mais desesperado eu ficava e logo eu já não estava conseguindo disfarçar minha raiva então comecei a gritar com ela enquanto descia as escadas atrás dela.

— Tá vendo só? É por isso que ninguém gosta de você! Não tem nada a ver com a sua aparência, porque você consegue ser tão feia por dentro quanto é por fora!

Ela parou ao ouvir minhas palavras e eu percebi que tinha ido longe demais quando ela se virou me encarando com os olhos cheios d'água. Mesmo sabendo que aquele olhar era de pura mágoa, ela não parecia surpresa então apenas suspirou profundamente com um olhar altivo mesmo que estivesse claramente tentando não chorar e sorriu.

— Obrigada por me lembrar disso! E obrigada por me lembrar quem você realmente é, eu estava quase esquecendo.

Ela deu as costas passando na roleta do metrô e entrou logo em um que já estava parado ali. Eu fiquei alguns segundos vendo aquelas portas de metal se fecharem e acho que nunca me senti tão culpado na vida. Eu estava desnorteado, não conseguia pensar em uma solução e também não conseguia tirar aqueles olhos castanhos enormes da minha cabeça. Eu sempre a vi ser tão reativa que não esperava que ela fosse se magoar com algo que eu disse já que ela nunca pareceu se importar com o que eu dizia dela. Pelo contrário, se eu a xingava ela respondia da forma mais agressiva e engraçada possível, mas dessa vez foi diferente e eu nem ao menos sabia por que estava pensando nisso.

Brincando com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora