Possibilidades

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Minha mãe nunca foi do tipo que demonstrava muito seus sentimentos. Durante os anos ouvi muitas justificativas para isso. Ela dizia que não fazia parte da nossa cultura. Que as mães não deveriam chorar na frente dos filhos e vez ou outra até colocava a culpa na religião dizendo que se cada vez que choramos por um problema, estamos dizendo a Deus que não confiamos nele o suficiente para resolver aquilo. Mas quando meu pai disse que Jehan viria para casa, não houve justificativa que impedisse minha mãe de demonstrar toda sua emoção e lágrimas começaram a rolar desesperadamente pelo rosto daquela que sempre foi tão comedida.

– Isso não significa que eu tenha aceitado ele de volta. Ele virá somente trazer um documento e depois voltará a se esconder no buraco onde vive. – Meu pai explicou e nem mesmo seu jeito rabugento, foi capaz de desfazer o sorriso radiante no rosto da minha mãe.

– Eu vou ver o meu bebê, eu não acredito que depois de tanto tempo vou ver meu filho! – Ela repetia, com uma alegria que transbordava e logo ela se levantou, detalhando seus planos. – Meu Deus, eu preciso fazer mais Kimchi, fazer sopa, ou será que as meninas gostariam mais se eu fizesse doces? – Ela se perguntou em voz alta, imersa em um mundo que era só dela, enquanto meu pai tentava manter os pés dela no chão.

– Que crianças, mulher? – Ele perguntou intrigado, me encarando e eu dei de ombros.

– O Jehan tem duas meninas, gêmeas. – Explico e mesmo que por um segundo, vejo o canto do lábio do mais velho se repuxar em um sorriso que ele disfarça com a xícara de porcelana à sua frente.

– Bem, como eu disse ele só vem deixar um documento. Portanto não se iluda, ele provavelmente não trará as meninas. – Meu pai insistiu, mas eu sabia que ele só estava alertando minha mãe para que ela não se decepcionasse, afinal de contas, ela sonha com esse momento a muito tempo.

Era bom sentir, mesmo que por um instante a esperança de que poderíamos voltar a ser uma família unida algum dia, mas minha alegria durou pouco, já que logo a Rachel saiu, irritada da mesa. Eu a segui, mesmo não tendo comido quase nada e quando cheguei ao quarto a vi andando de um lado para o outro como um animal enjaulado.

– O quê houve? – Pergunto, ao notar que a ruiva parecia estar soltando fogo pelos olhos e suspirei.

Por mais perigosa que ela parecesse, acho que eu já tinha me acostumado, então apenas me sento na cama vendo ela continuar traçando seu caminho dando voltas pelo quarto.

– Não estou acostumada a ficar sem fazer nada, muito menos a obedecer ninguém. – Rachel afirmou, suspirando e eu dei de ombros.

– Nesse caso, acho que meu pai está certo. Não sabemos as intenções desse cara, é mais seguro aqui. – Explico e ela suspira, se jogando na cama ao meu lado e me viro para encará-la com um sorriso bobo no rosto que parecia automático toda vez que eu olhava para ela.
– Claramente a intenção dele é me prejudicar porque eu acabei com as chances dele conseguir uma boa indenização. – Rachel afirma e concordo com a cabeça, mas mordo o lábio enquanto penso, estreitando os olhos e ela me encara como se tentasse ler minha mente.

– Sim, mas e se não for só isso? – Pergunto e ela me encara, como se analisasse aquela hipótese pela primeira vez.

– Qual a sua teoria? – Rachel pergunta e suspiro.

– Sinceramente não sei o que pensar, mas o fato do Kennie ser culpado, não muda a possibilidade de que seu pai também seja. – Afirmo e me viro a encarando, olhos nos olhos. – Onde ele conseguiu dinheiro para chegar tão rápido em Nova York se nas pesquisas que o Jehan fez sobre ele ficou claro que ele não tinha onde cair morto? – Pergunto e ela me encara boquiaberta.

– Não tinha parado para pensar nisso, nesse caso isso também não inocenta o seu pai. – Ela retruca e eu suspiro.

– Se tivesse sido meu pai, porque ele ajudaria tanto? – Pergunto e ela dá de ombros, suspirando pesadamente.

Brincando com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora