Tenho andado meio ausente
meio fora do radar, meio deslocada do presente
tenho aguado as plantas, escutado os pássaros cantarem nos fins de tarde
tenho me esquecido das horas
e me afastado de algumas pessoas ao passar dos anos
tenho neglicenciado a minha alimentação
à alguns dias, bebido água de menos
e me exercitado muito menos do que deveria
passado batido pelo ar fresco, pela quantidade necessária e diária de sol que o meu corpo e organismo precisam para se manterem ao menos vivos
tenho deixado planos de lados e dezenas de projetos inacabados
largados num canto antiquário qualquer do meu quarto
tenho escutado pouquíssimas músicas e meio enjoada de acompanhar seriados
tenho lido quase nada comparada a média literária que eu costumava fazer
quase não tenho fome e tem dias que nem quero comer
mas também não sei te dizer o que de fato quero fazer
quase não tenho pensamentos e quando penso chego a levar um pequeno susto
e pergunto: você ainda está por aí intruso.
quase me olha confuso e quando se perde por entre as vielas tripuladas por demasiado barulho da minha mente
te deixo no escuro
já é quase junho e o inverno está quase deixando as prateleiras dos guarda-roupas
em busca de qualquer corpo que o aqueça com intimidade e não piedade
de cabides que se seguram demais em silhuetas já tão ultrapassadas
de hábitos tão alogênicos e de um escandaloso egocentrismo
não sei por onde andam os sorrisos
tenho procurado por risos mas eles tem uma capacidade estupenda de se esconderem de mim
ou talvez seja mal-humor da minha parte procurar por eles no lugar errado
por entre tragos de cigarros e tênis com cadarços dessamarrados
a poluição sonora dos bairros e a poluição gasosa dos carros
o pulmão do mundo, assim como o nosso, luta para se manter respirando
se manter lúcido e elucidado nessa atmosfera tão corruptiva e tão suicida
que nos entorpece com alienação, aspirinas, gorduras saturadas, açúcar e cafeína
somos os ratos nas gaiolas com os rabos cortados
incapazes de sair do rastro-faro dos nossos predadores
que nos observam famintos à espera do nosso primeiro ato falho
para aí então sem nenhum pudor nos abocanharem pelas nossas dores.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Luas de Júpiter
PoetryAs Luas de Júpiter é uma obra autoral com mesclas cronistas e características da poesia. Construída sob uma narrativa abjeto, um experimento literário de dar corpo e identidade para a subjetividade de um lugar, um sentir, uma inspiração que nominei...