Meus dias são tão monótonos: acordo, espreguiço, rolo para um lado, depois para o outro, enrolo, enrolo, e enfim levanto. vou para o banheiro, faço xixi, escovo meus dentes, lavo meu rosto, bebo alguns goles d'água, engulo um comprimido de vitamina D, preparo meu café-da-manhã, vou para sala, ligo a tv, como meu café enquanto assisto qualquer desenho. logo depois perco algumas horas do meu dia deitada no sofá envolta pela preguiça matinal.
meus dias são tão monótonos:
o sol entre as nuvens tímido em aparecer
a cara e o cabelo que são sempre
os mesmos no espelho
poros abertos expelindo células mortas do dia anterior dando espaço para as novas células de hoje, assim todos os dias
as cidades cinzas todas conectadas por fios quilométricos que servem de descanso para os pombos e rolinhas
do canto gracioso do bem-te-vi alegrando os ouvidos dos bairros solitários das cidades grandes
não há nada de novo apenas a velha rotina.
meus dias são tão monótonos:
o resto do café da garrafa jogado no ralo da pia se funde com a corrente de água que cai da torneira levando embora toda a sujeira
a poeira impregnada entre as quinas do azuleijo, as grades nas janelas e portas que dizem me proteger, ao olhá-las sinto-me enfiada dentro duma jaula, trancada.
vasos de plantas secos rego como se regasse cada órgão, célula, partícula do meu corpo
as lâminas do liquidificador moendo todos os vegetais e remoendo dentro de algum coração abandonado a saudade
o sol em minha pele, em uma folha trazendo a luz, trazendo a secura da vida.
meus dias são tão monótonos:
a roupa amassada e enxovalhada ao pé da cama
os livros colocados em algum canto largado às traças
discos e cd's esquecidos na estante da sala junto aos porta-retratos que mesclam o passado no presente
a vista da varanda que é sempre a mesma
à mesa servido um prato obsoleto temperado com indiferença, a liberdade fajuta de pipas como sobremesa
pulo de um canal para o outro como se procurasse e tivesse a esperança de encontrar o que não se encontra
a água que escorre por cada curva, espaço do meu corpo ensaboa a alma trazendo o efêmero alívio de limpeza
meu estômago que resmunga rabungento pedindo pela próxima ingestão de alimento
que trás na boca a ilusão de saciedade como se a fome fosse terminar preenchendo meus muitos vazios
na maior parte do dia minha mente está longe, muito longe de tudo o que meu corpo vivencia
minha alma presa inquieta pela chegada da noite onde seu voo é livre
tudo permanece como estava
tudo permanece como é
ao fim do dia coleciono no inconsciente por ordem alfabética a sequência de repetições que se repete nessa playlist automática da minha vida
às vezes parece que estou presa num loop da ótica imaginária de algum louco
que me dá ao fim do dia a tristeza de desfrutar mais um dia do mesmo dia
de novo.
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As Luas de Júpiter
PoetryAs Luas de Júpiter é uma obra autoral com mesclas cronistas e características da poesia. Construída sob uma narrativa abjeto, um experimento literário de dar corpo e identidade para a subjetividade de um lugar, um sentir, uma inspiração que nominei...