Sapatos vermelhos

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Caminhei bêbada sobre as calçadas do meu corpo,
procurando prazeres banais que me fizessem esquecer por alguns instantes
meus augúrios e tristezas
que trouxesse para mim a efêmera sensação de estar viva,
em um saco sem fundo de carne e ossos
o trago dilacerado no cigarro de um desconhecido
inebriada pelas nuvens de fumaça, tragada pela ilusão
perdida em bocas frias, beijos falsos, sem toque, sem língua
seduzida pelo teu jaco vermelho sangue,
que cobriam os espinhos e acobertavam meus delírios
teus olhos ardentes que pingou em meu cerne o teu feitiço disfarçado de um sabor doce,
viciante como groselha
assim que preencheu meus lábios com teus encantos
satisfez minha fome e fartou meu estômago,
qualquer migalha era suficiente para ludibriar minha alma faminta
que me fazia rastejar para qualquer lugar, qualquer canto, qualquer buraco
em troca de algum sentimento barato
a noite caía e eu caía junto com ela,
pelas esquinas de algum botequim cercada por meia dúzia de garrafas secas de gim
paixões mornas, relações mórbidas
nem mesmo os raios do sol eram capazes de me manter sóbria
coloquei meus sonhos trancafiados numa gaiola
oprimi todas as minhas ânsias e desejos
pendurei minhas paixões num empoeirado cabideiro
engavetei minhas palavras e aos poucos fui me reduzindo à nada
tamanha era essa abarcia que acabei devorando à mim mesma
sangrando o vermelho vital da vida,
permitindo ser engolida e drenada pelas tuas trincheiras e armadilhas
aceitei calçar o convite dos teus sedutores sapatos vermelhos
e como uma folha envolvida pelo vento,
quando dei por mim estava condenada a dançar os passos da tua maquiavélica dança
que me conduziu ao definhamento
para me libertar do teu domínio, do teu encantamento
foi necessário arrancar aquilo que me prendia à você,
meus pés
que calçavam teus maltidos sapatos vermelhos
e quando perdi meus pés
pensei que perderia tudo o que me restava,
aquela pequena gota de esperança
mas, assim que meu corpo não mais estava ligado aos meus pés
e nem aos teus cáusticos sapatos vermelhos
e também ao peso da terra,
eu estava leve, leve como uma pluma
e quando dei por mim
eu estava voando,
voando,
voando,
voando,
voando!
dançando,
embriagada agora pelas nuvens do céu da minha alma.
Adeus.

As Luas de JúpiterOnde histórias criam vida. Descubra agora