Isquemia

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Era um sonho
e uma bala
nas mãos
entre armas
granadas
e lágrimas
haveria ali alguma
possibilidade
digna, mísera, gasta
mas
haveria de ter
uma mínima esperança
rala, rara
quase escassa
quase...
nossas barrigas estão
esganiçadas
e pontuo
que nossa fome não
é de comida
nossa fome é muito mais
profunda, anfíbia
a democracia faminta por justiça
a nossa ira e injúria perante as avarias
desta vida mitigada e sofrida
bebemos do nosso próprio suor
e o gosto ácido da nossa decadente realidade nos envenena com ódio e dor
é fácil falar do amor enquanto se tem na janela um céu azul e um sol brilhante
mas e nos dias de tempestades?
nesta métrica o amor sempre estará em desvantagem
um pedido por paz à esta altura seria de tom covarde
quase um crime
aqui a lei é outra
e caso queira a verdade
pois bem lhe digo
lutar contra a ordem é a maior das insanidades
mas nunca vi em nenhum outro lugar tamanha e absoluta coragem
a revolta é a nossa fórmula para reverter a norma
como cantou Belchior:
E a única forma que pode ser norma, é nenhuma regra ter
É nunca fazer nada do que o mestre mandar
Sempre desobedecer
Nunca reverenciar.

Desobedeça!
jamais curve a sua cabeça

nosso sangue
já foi derramado
nossos corpos
já foram defasados
nosso futuro
apagado, um esboço
incrédulo e frágil
é um sonho
e uma bala
que nos acometerá
alguma chance pela vida
ou a morte compulsória letífera
seremos para o passado
uma memória vaga e esquecida
e para o presente isquemia

enquanto a pólvora queimar
e nossas mazelas incendiarem
as casas grandes e todo o clero
beberemos do copo a emancipação
enquanto dançamos o disco da revolução
cantaremos revolta, cantaremos os ecos da vitória
eu quero contribuir para o caos
eu quero ser e ver o caos surgir de dentro para fora
corroendo as dores desta sociedade cólica.

As Luas de JúpiterOnde histórias criam vida. Descubra agora