Produto

2.9K 456 382
                                    

É respostas que vocês queriam? Último capítulo da Freen, e talvez o pior de todos. *Respiro fundo e sigo em frente*


***


– Eu fico com o dinheiro e você fica com a garota, me parece uma troca justa...

É a última lembrança que tenho da minha mãe, de ouvir uma discussão dela com o papai no meio da noite, no dia em que ela foi embora, eu estando escondida nas escadas. Nunca mais tive notícias dela, nenhuma ligação ou cartão em nenhum aniversário, as vezes o papai também se esquecia, e as vezes eu também me esquecia.

– Alguém controla esse animal! – O papai grita no meio do estúdio.

Aos nove anos eu gravei um filme com um cão da raça border collie, ele se chamava Khalil, gostava de brincar, tinha um pelo macio e era bom de abraçar. Ele apenas ficou empolgado ao me ver e pulou em meu peito, me fazendo cair para trás, sentada no chão. Não me machucou, me fazia rir, eu o adorava.

– Quantas vezes eu tenho que dizer para você ficar longe desse animal? – Dessa vez o papai grita comigo.

Não respondo e não o olho nos olhos.

– Você, seu rosto e seu corpo são um produto. O que acontece se você se machucar e danificar o produto?

– Perco o valor de mercado – Respondo sem olhar para ele.

– O que acontece com quem perde o valor de mercado?

– Não serve para mais nada.

– Exatamente, não serve para mais nada.

– Eu gostaria de ter um cachorro – Reúno coragem dos mais remotos cantos do meu ser para dizer isso a ele.

– Ficou maluca? Animais machucam, eles arranham e mordem, vão danificar o produto. Além do mais, são só distração, você quer distração?

Sei de acordo com o protocolo que não devo dizer a verdade, mas mais do que isso, sei que se eu respondesse a verdade, me custaria muitas horas no porão.

– Não, senhor.

Nunca andei de bicicleta, nunca fui à um parque de diversão e nunca mais tive qualquer contato com animais de estimação.

Seus prendedores de cabelos amarelos chamam a minha atenção, seu cabelo está preso dividido em duas partes, uma de cada lado de sua cabeça, logo acima das orelhas. Seus prendedores amarelos são bonitos e possuem carinhas sorridentes presas a ele. Não consigo desviar minha atenção deles, quando ela anda, seus cabelos balançam, ela caminha saltitando como uma criança feliz, amarela e sorridente. Não tem medo de cair.

Não costumo correr, não costumo fazer qualquer movimento brusco, sou cautelosa, não posso me machucar. Mas eu não tive escolha, aquele painel ia esmagar a garotinha, ia esmagar seus prendedores amarelos. Eu mal tive tempo de pensar, ouço o estrondo do painel se chocando contra o chão ao mesmo tempo em que sinto uma dor aguda na lateral de minha cabeça. Estamos no chão, e a seguro em meus braços e ela chora, está ferida, mas não muito.

As pessoas correm em nossa direção, tenho um zumbido insistente nos ouvidos e não ouço o que falam. O diretor Benjamim Armstrong fala comigo, seus olhos azuis estão arregalados, mas não compreendo o que ele diz, apenas concordo com a cabeça para o que quer que ele tenha dito e ele me abraça apertado.

Somos levadas ao hospital, mas não deixo que toquem em mim, a esse ponto eu já percebi que estou sangrando, papai vai ficar tão zangado. Mas não me preocupo com isso, porque a garotinha amarela está chorando, não está mais sorrindo, eu me sento ao seu lado e seguro sua mão enquanto os enfermeiros tentam suturar sua têmpora.

Duas Marcas - Freenbecky (GAP)Onde histórias criam vida. Descubra agora