Anis estava de frente para uma grande estante de chocolates no supermercado. Seu carrinho estava com algumas coisas que ela sentiu falta em casa, mas a sessão de doces tinha outra função na sua lista da semana.
– MEU DEUS DO CÉU - uma mulher loira, usando um vestido de alcinhas branco, jogou um saco de arroz dentro do carrinho a sua frente. Todo seu corpo parecia ter sido necessário para essa força, e isso atraiu os olhares de todos ao redor. - Que droga, Caíque! Por que você não consegue se conter?
– São só doces, Raquel - o tal Caíque, que parecia já ter trinta anos, debateu com a mulher dando de ombros. Ele seguiu empurrando o carrinho de compras pelo corredor de doces. - Eu não tenho dez anos. Posso comprar uns doces de vez em quando.
– É sério, você é impossível - mesmo irritada, ela não se debruçou para tirar os doces do carrinho. Raquel seguiu caminhando ao lado dele. - Tem horas que eu queria ser solteira. Sinceramente... Bem que minha avó sempre disse que só damos valor quando perdemos.
– Deixa de drama. Eu sei que você está de dieta, amor, mas prometo que vou comer todos eles no escritório e não vou ficar te tentando. Nada de açúcar ao seu lado.
– Caíque, eu juro que ainda vou te demitir da função de marido. Na maior parte do tempo eu sinto que estou casada com uma criança - Raquel parou bem ao lado de Anis, que se encolheu com a proximidade. Ela pareceu analisar Anis pelo canto dos olhos, pegou duas barras de chocolate diet e voltou para a sua compra e o seu marido. - Era assim que eu queria ser: feliz. Aposto que aquela moça não tem dor de cabeça.
Anis sentiu suas bochechas esquentarem, suas orelhas avermelharem e suas costas serem observadas. Mesmo sem se virar, ela sabia que Raquel estava apontando para ela e que Caíque a estava analisando.
– Como você sabe disso? Ela pode estar voltando para casa para ficar com o marido.
– Puff! - Raquel desdenhou com um tom de voz que deixava claro que ela sempre tinha um bom argumento. - Ela está comprando pizzas congeladas, doces cheios de açúcar e tônica. Não é a compra do mês. Isso é coisa de mulher solteira.
Ainda parada onde estava, fingindo estar analisando o rótulo de uma caixa de bombons, Anis respirou aliviada quando as vozes deles sumiram na curva do próximo corredor. Querendo evitar pensar no comentário da desconhecida Raquel, ela colocou os fones de ouvido e deu play.
A próxima parada de Anis foi o corredor de bebidas, e ela pegou o vinho mais barato da prateleira, fingindo não ver Caíque e Raquel há poucos metros, já de pazes feitas e escolhendo um tipo caro de whisky.
Enquanto deixava Sandy estourando nos fones de ouvido, Anis começou a resmungar para si mesma, não tão baixo quanto deveria:
– Eu devo ser mesmo feliz. Imensamente... Uma romancista que nunca viveu um romance. Que lindo - ela fungou, apoiando o corpo no carrinho de compras com descaso. - Sem discussões no mercado e sem tampa levantada. Aham! Eu sou feliz sim, senhora, sua fofoqueira assassina da vida alheia.
O homem bombado e cheio de tatuagens, que estava passando sua compra antes dela, a encarou como se ela fosse doida. Anis deu um sorriso amarelo, percebendo que estava falando alto demais por culpa dos fones.
Quando foi passar sua compra, seu celular apitou com uma mensagem de texto. A notificação vinha do Wattpad, e era sua única leitora ativa. Ela estava dizendo que o capítulo sobre o cachorrinho tinha feito ela chorar.
O banco também tinha mandado um aviso: o cartão de crédito estava atrasado. Anis teve vontade de chorar, mas só conseguiu fungar e usar seu último dinheiro de reserva para pagar sua compra. Ela mandou um áudio para a mãe em seguida, fungando e quase chorando enquanto atravessava o estacionamento do mercado.
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Wattpad, lives e romance
RomanceAnis é uma escritora fracassada do Wattpad. E depois de um dia especialmente ruim, ela acaba bebendo mais do que esperado em uma de suas lives semanais e fala demais sobre o novo livro queridinho do aplicativo e da internet. Em um caos monumental, a...