Wattpad, lives e romance

09

Ana Clara se espreguiçou no sofá, abrindo bem os dedos dos pés e fazendo um som estranho com o tornozelo direito. Ela sorriu para Anis, no auge da sua bebedeira.

– Eu realmente não gosto de você. Te acho uma merdinha arrogante, mas até que foi bom beber com você.

– Você bebeu - Anis corrigiu, levando a taça de Ana Clara para a cozinha. - E agora que eu já ouvi toda a sua ladainha sobre a sua relação fracassada, pode ir embora. Caso não tenha notado, eu também não gosto de você.

– Eu sei. Você me acha uma vaca - Ana Clara fingiu rir um pouco, mas se encostou na bancada da pia, perto de Anis, e apontou o dedo para ela. - Só que é fim de semana e eu quero atenção. E se você é a culpada de eu não estar dormindo de conchinha, vou tornar sua noite um inferno.

– Acabei de fazer isso por mim - Anis estava colocando folhas de camomila em seu bule de vidro. - E tem mais. Eu tenho certeza que perdi meu emprego, então preciso do fim de semana para poder preparar o meu currículo.

– Não e não. Nada disso - Ana Clara entrou na frente do fogão, impedindo Anis de ferver o seu chá. - Quero que você trabalhe com a gente. A Lorraine disse que precisa te compensar pelo caos que ela causou. E eu também estou com o sádico desejo de te torturar. Quero te ver sofrer. Ser sua chefe vai ser legal.

– É bom saber que ela está triste e mal por me fazer perder o emprego. E fico feliz que minha dor te cause alegria. Quer mais? Provavelmente alguém gravou a live que eu acabei de fazer, então você vai poder ver mais do que a minha cara de choro.

Ana Clara balançou o dedo na frente de Anis em sinal de negativo. Ela queria deixar claro que estava com informações boas sobre trabalho.

– Eu quero fazer um quadro novo no programa. Falei com a produção e com a Kentucky - ela apertou as bochechas de Anis com uma mão, lhe dando um biquinho de peixe. - Pensei em chamar ele de "Estagiárias". Basicamente, quero colocar você e a Lorraine no quadro. Separadamente, vocês leriam dúvidas e comentários dos fãs do programa. Seria legal fazer isso com vocês bêbadas.

– Nem pensar - Anis a empurrou para o lado e ligou o fogo. - Quem iria gostar disso? E quem, em sã consciência, bebe tanto em dia de semana?

– That's the point - Ana Clara sorriu como se tivesse um trunfo na manga. - Quero fazer esse quadro fixo aos sábados à noite. Pensei em colocar o Kai como o diretor, já que a Kentucky está no "Caralhada" aos sábados.

– Não. Trabalhar com você deve ser um inferno.

– Mas eu quero voltar a dormir de conchinha - Ana Clara bateu os pés no chão e balançou os braços. - Em parte é culpa sua a minha desgraça. Se você não tivesse chamado a Lorraine naquele dia...

– Chega - Anis a cortou, esfregando as próprias têmporas. - O que eu tenho a ver com a sua conchinha ou com a sua desgraça.

– A Lorraine é a minha namorada - Ana Clara a olhou como se ela fosse doida. - Jura que você não tinha percebido?

– Bom, o Kai disse que apresentou vocês, mas não achei que fosse ela a tal garota que dorme com geral.

– É ela - Ana Clara deu um soquinho no braço de Anis. - E não somos amigas. Só eu posso dizer essa frase sobre ela. O Kai nos apresentou em um momento de crise da minha sexualidade. Eu ficava saindo com caras, mas nenhum era bom o bastante. Até dei em cima dele de forma incansável. Acho que ele só queria se livrar de mim.

– Faz sentido. Eu também ia querer me livrar de você - Anis desviou do tapa que Ana Clara ia lhe dar, e sorriu para o bule que começava a fervilhar no fogão. - Mas aí, me conta: eu fiz vocês brigarem então. Uma treta daquelas.

– Daquelas. E agora ela não quer dormir de conchinha porque está obcecada com a ideia de que te fez mal - Ana Clara juntou as mãos. - Por favor, deixa eu me redimir por ela e salve o meu namoro. Não vou resistir mais um dia sem ela me abraçando por trás.

– Chega! Informação demais sobre vocês - Anis fez uma careta. - Por que pessoas em relacionamento são assim? Ninguém está interessado em como vocês são como casal. Especialmente os solteiros.

– Eu não ligo. Quero tacar na sua cara a minha felicidade.

– Se fosse mesmo feliz, você não viria acabar com a minha noite de forma gratuita - Anis ergueu uma sobrancelha quando viu que ela fez uma careta. - Certo. Posso pensar no seu plano pelo fim de semana, bêbada chata?

– Maravilha! - Ana Clara bateu as mãos e sorriu. - Agora eu te deixo ter a sua vida entendiante de virgem de volta.

Anis fingiu que daria um tapa nela quando Ana Clara lhe deu as costas. Os saltos a deixavam ainda mais alta, e a roupa desalinhada na cintura a fazia parecer desleixada. Foi a primeira vez que Anis sorriu para ela, apreciando o caos que ela poderia ser longe das câmeras.

Ana Clara pegou sua bolsa na sala, enviou um áudio e esperou por cinco minutos. O tempo exato que Anis precisou para terminar de infundir sua camomila com as cascas de laranja e com os paus de canela.

Quando Anis chegou na sala, Ana Clara estava saindo pela porta sem se despedir. Na rua, dentro de um Impala prata restaurado, Lorraine esperava pela namorada com um cotovelo exposto pela janela. Elas saíram cantando pneu, falando alto e com os vidros abertos. Como se não fosse um bairro estranho perto do centro de São Paulo, às plenas duas e vinte da manhã.