11

21 4 16
                                    

Anis respirou fundo antes de abrir a porta do consultório do doutor Gualhento. Ele estava rabiscando algo em seu bloco de notas.


– O senhor queria me ver?


– Queria. Por favor, vamos ao meu escritório - ele indicou o cômodo ao lado, onde conversava com os pacientes sobre orçamentos e cirurgias.


Gualhento sorriu para Anis quando se sentaram de frente um para o outro. Anis tentou sorrir, mas acabou fazendo um bico estranho.


– Eu queria te demitir. Mas não me entenda mal. Eu gosto do seu trabalho aqui - ele respirou fundo, cruzou as mãos sobre o peito e se recostou na cadeira. - A questão é que minha filha fez uma excursão com as amigas até o consultório no sábado de manhã. De tarde, as gêmeas do doutor Klein fizeram a mesma coisa. Parece que até cobraram ingressos das amigas. Tudo isso porque, agora, nossa recepcionista é uma autora famosa e um meme ambulante.


– Socorro - Anis cobriu o rosto com as mãos, apoiando os cotovelos na mesa e suspirando.


– Também aumentaram os pedidos de encaixe, as buscas por tratamentos... - ele respirou fundo e sorriu para algum ponto invisível da mesa. - Esse é um transtorno imenso, sabe? E mesmo que seja bom para os negócios, parece que não tem valor real na busca pela saúde bucal ou pela estética, como antes. A maioria chega perguntando sobre a recepcionista famosa.


– Perdão. Andaram stalkeando minha rede social e viram fotos aqui no consultório. Não percebi isso até surgiram curtidas e comentários sobre a clínica durante o fim de semana.


– Eu te perdoo pelo transtorno - ele se empertigou na cadeira e voltou a ficar sério. Um mini sorriso se insinuando no canto da sua boca. - A questão é que eu não quero te mandar embora, mas sinto que você não quer estar aqui.


Anis o encarou nos olhos pela primeira vez desde que tinha entrado na sala. Ele estava exibindo um sorrisinho tímido sob o bigode, os olhos brilhando na sua direção.


– Veja, eu não quero te demitir. Se você quiser ficar no emprego e me prometer que vai ser profissional quando aparecerem pacientes ansioso desse tipo, se disser que vai proibir que batam fotos suas ou que te perguntem sobre temas inapropriados, eu vou ficar contente em te manter aqui - ele se debruçou sobre a mesa e apertou os lábios em um traço antes de falar. - Mas a verdade é que suas polêmicas recentes me fizeram entender que seu lugar não é aqui.


– Senhor Gualhento?


– Eu sou um homem sincero, e me orgulho de ser justo com as pessoas. Eu até mesmo dispensei seu amigo de forma educada, porque sei que ele não veio fazer um exame. Na verdade, ficamos conversando sobre "Dom Quixote" enquanto dávamos um tempo para você não perceber que ele não estava passando em consulta.


– Senhor... Eu sinto muito por ele ter vindo, eu disse que...


– Não preciso ouvir desculpas - ele ergueu a mão, um sinal claro de que não queria ouvir mais nada. - O que quero dizer é que eu vi sua última live. Assisti com a minha filha. Você sabe que a Catarina gosta muito de você, apesar de ser uma péssima leitora.


– Que vergonha - Anis resmungou quase para si mesma, sem tirar os olhos do chefe. Ela sentiu as bochechas ficarem vermelhas.


– Não vejo razão para você se sentir assim. Sendo bem sincero, eu imaginava que você fosse virgem, mas não porque alguém não te quis. Achei que fosse o contrário. Você parece sempre tão decidida e também é fã de coisas clássicas... - era a primeira vez na vida que Anis via seu chefe corar e ficar sem jeito daquela forma. - Sinto muito. Não quero ultrapassar os limites... É só que realmente nunca foi o que pareceu. E isso surgiu muito abertamente na sua vida para que eu não diga nada.


– Chefe, não quero ser rude, mas isso está...


– Constrangedor. Eu sei. Sinto muito - ele pigarreou, ansioso por mudar de assunto. - Voltando ao assunto: não quero te demitir, mas sinto que você deveria estar em outro lugar. Eu vi você no programa, vi como você estava feliz. Vi como se sentiu livre ali. Nem parecia você. Aqui você é diferente, você é séria demais e silenciosa. Lá você parecia brilhar.


– Eu gosto muito do meu trabalho. Realmente gosto. É só que eu estava nervosa lá, por isso falei muito. Eu fico tagarela quando fico sob pressão... Eu prometo que vou melhorar no trabalho, senhor.


– Anis - ele estendeu as mãos sobre a mesa e pegou as dela. - Não estamos falando sobre você melhorar. Estou te fazendo uma pergunta: você quer ficar aqui? Não haverá mágoa se sua resposta for não.


Ela o olhou por um longo tempo, enquanto isso ele apertava as mãos dela em sinal de apoio. Anis sentiu, por um tempo, que estava diante de uma das melhores pessoas que já tinham passado por sua vida. E ela soube que não seria capaz de desejar nada melhor.

Wattpad, lives e romanceOnde histórias criam vida. Descubra agora