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Anis se sentou no canto mais afastado da padaria que funcionava vinte e quatro horas. Depois da reunião, todos tinham concordado para sair e comemorar os contratos assinados e o novo projeto, e a decisão foi comer uma pizza em uma padaria perto do prédio da empresa.


O lugar tinha um clima de padaria antiga, com mesas de vime verde do lado de fora, portas de vidro que davam para a rua em três frentes do estabelecimento e um balcão cheio de doces que ficava perto da porta da cozinha. No mezanino, ela escolheu a mesa mais distante possível da escada, de onde poderia ver a rua por uma vitrine com insulfilm.


A grande placa neon do lugar cobria a visão do resto da equipe para a rua, mas Anis sorriu para uma senhorinha que estava atravessando a travessa em frente usando uma bengala. Ela parecia uma moradora local de longa data, que só estava voltando para casa depois de comprar seu pão para o dia seguinte.


– O que você está vendo? - Arthur estava sentado de frente para ela. Igualmente alheio ao debate sobre o sabor de pizza que a equipe pediria.


– Uma senhorinha - Anis fechou os olhos e pareceu sentir algo prazeroso com o momento. Quando os abriu, encarou Arthur e deu um sorriso triste. - Eu tenho facilidade para interpretar o que estou vendo. Gosto de sentar em lugares onde tenho uma ampla visão sobre as pessoas, porque isso me inspira a criar.


– E porque não me conta o que acabou de ver? - ele fez a proposta como se fosse algo rotineiro de se perguntar a alguém. Anis sentiu suas bochechas corarem, porque algo dizia que aquele era um pedido invasivo, mesmo que não fosse.


– É uma senhora idosa, que usa bengala. Ela estava atravessando dessa calçada para a próxima. Entrou em um prédio antigo do outro lado, depois de cruzar a rua. Ela usava um xale branco sobre as costas curvadas, um coque bem firme no meio do topo da cabeça. Parecia em paz neste lugar, mesmo sendo tão tarde.


– Não - Arthur fez uma cara de quem quer se desculpar, se inclinou para frente o máximo que conseguiu e quase sussurrou. - Quero saber o que você está vendo. Na sua cabeça. O que ela te fez ver?


– Perdão?


– Eu tenho uma amiga escritora, e ela sempre tem visões ótimas sobre as pessoas - ele inclinou a cabeça e a analisou de um jeito estranho, o sorrisinho insistente se expandindo em seu rosto. - Eu tenho um curioso prazer em ouvir descrições do que se passa na cabeça das pessoas.


– Nero, é você? - Anis brincou, dando risada da própria piada para tentar desviar a atenção dele de si. - Desculpa a piada. Mas eu só consegui pensar naquela história de que Nero abriu sua mãe porque queria saber de onde veio.


– Tudo bem - ele se endireitou, olhando para Kai, que estava sentado do lado de Anis. - Eu só estava curioso.


– Algumas curiosidades podem ser intrusivas - Kai estava usando um tom de voz amargo, e Anis se virou para ele. Ela não tinha notado que ele estava prestando atenção. - Pedimos uma de muçarela e uma de calabresa. Eu sei que você é vegetariana.


– Obrigada - Anis sorriu para ele, sem saber se estava agradecendo por ter cortado Arthur ou por ter feito um pedido que a incluía.

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