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– Vamos recapitular as questões aqui - Ana Clara empurrou o cabelo para trás e sorriu para a câmera, dando um show de maturidade para o público, como se não tivesse gritado e chutado as coisas no seu camarim. - Debatemos sobre a importância de tomar cuidado com o que nossas crianças consomem na internet, a visão dos artistas sobre o conceito que seus fãs lhes dão e o impacto da literatura adulta consumir romances mais clássicos ou leves.

– O próximo bloco é o quiz de perguntas rápidas com os dois lados do nosso time - Paloma informou, sorrindo para a câmera do outro lado do estúdio.

Paloma Andrade era uma mulher alta mesmo sem salto. Ela tinha um corte chanel preto azulado charmoso, com uma franja curta que lhe dava um ar jovem. As bochechas dela estavam pintadas de vermelho pelo blush, mas Anis tinha visto ela se abanar quando Bird lhe deu bom dia.

Kai cutucou o ombro de Anis, sorrindo para ela, aproveitando que as câmeras estavam focadas nas apresentadoras.

– Está nervosa?

– Estou irritada, mas quero ter classe - Anis fingiu jogar o cabelo para trás. Kai riu da atitude dela. - É difícil debater quando se liga ao vivo para a autora do livro que eu critiquei.

– Você odeia mesmo o estilo? - Andressa estava de braços cruzados, tentando conversar de forma amigável com Anis e Kai desde o primeiro intervalo. - Acha que romances com cenas adultas são um desperdício?

– Eu acho que existe um público - Anis suspirou. - Entenda, eu sou muito fã de alguns bons livros em que cenas de sexo estão presentes. Recentemente eu li "De férias com você" e achei muito bom, mesmo com uma cena de sexo.

– Então qual é a sua batalha aqui?

– Querer direitos - Anis suspirou de novo, coçou a cabeça e tentou forçar um sorriso. - Não é como se fosse inveja, mas é um tipo de ofensa que não consigo controlar. Eu passei a minha vida escrevendo, lendo livros bons de verdade. Estudei todos os clássicos, cursei sete idiomas diferentes. Algumas vezes fazendo dois ao mesmo tempo. Fora as oficinas de escrita, os cursos de literatura, as aulas particulares... Eu fico cansada de lutar tanto contra a maré.

– Então por que você só não escreve livros sobre sexo? - Bird se aproximou do trio, cruzando os braços e tentando falar de uma forma rápida e fluida. Ser o único não nativo do idioma estava deixando-o tenso.

– Porque escrever sobre isso é fácil - Anis apertou os lábios em um traço. - Não é que eu não entenda o apelo que a coisa toda tem, mas eu fico revoltada de ver como o sexo tem sido comercializado. As comunidades cristãs pregando que não devemos ensinar educação sexual, mas a maior parte dos seus fiéis vive em áreas vulneráveis, onde as crianças não são protegidas com a mesma facilidade que os filhos de ricos. E não quero dizer que ricos não podem sofrer abuso, assédio ou algo assim. Mas a questão é que já temos o sexo muito naturalizado na nossa cultura.

– Entendo o que quer dizer - Kai cruzou os braços, mudou o peso do corpo para uma perna e suspirou. - As diferentes culturas estão finalmente se conectando graças à tecnologia e à internet, mas a realidade é que apesar de nossas pautas sociais estarem anos luz avançadas em relação a outros países, o Brasil sempre se torna o foco mundial do comércio sexual.

– E somos o país que mais mata trans, e também estamos em cima entre os países com maiores índices de estupro de menores e de vulneráveis. Todos acham que, se não vivemos com macacos, estamos aqui para servir.

– Especialmente em turismo sexual - Andressa pareceu ponderar. - Eu entendo o que quer dizer, mas existe um público por aí, um público que ficou carente de conteúdo sexual feito por mulheres e para mulheres. Não podemos ver isso como um tipo de emparedamento da sexualidade feminina?

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