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Cheshire se esparramou no sofá, esfregando as orelhas na coxa de Anis. Ela ainda estava usando a camisa branca que Kai tinha lhe emprestado pela manhã, e já fazia mais de uma hora que ela estava marcando arrobas no anúncio da sua live extra. Todas as pessoas que ela viu mencionando o nome dela como crítica, ela estava pedindo que assistisse.

Enquanto marcava as pessoas, respondia elogios e bloqueava conversas recheadas de ofensas no seu direct, ela fingia não ver as mensagens que Lorraine estava lhe mandando no privado.

Martin ligou para ela alguns minutos antes da live começar. Ela colocou no viva-voz, para continuar mexendo e respondendo comentários nas redes sociais.

– Você quer participar do Virgin?

– Boa noite para você também - Anis pegou Cheshire no colo, para que ele parasse de arranhar os pés da mesa do computador. - Como você me liga e me oferece isso assim? Você não queria me proteger do mundo?

– Eu vou - Martin estava transparecendo empolgação na voz. - Ouça: uma garota de dezessete anos começou a escrever uma fanfic sobre você. Eu li. Encaminhei para a Dalila, ela até já falou com a garota. Mas o que importa é que a fanfic bombou.

– Sorte dela - Anis abriu um pacote de salgadinho e enfiou um punhado na boca. - Na idade dela eu estava lutando com um blog que ninguém lia. Fico feliz por ela estar tendo leitores.

– Sim, e vai ter mais quando fechar conosco - Martin pareceu se animar mais. - A questão é que alguém da produção do Virgin está lendo a fanfic e descobriu sobre você.

– Eu não quero - Anis fez uma careta, sabendo que ele não veria. - Aquilo é uma selva de promiscuidade, tal qual o "De férias com o ex". A única diferença é que só tem virgens lá.

– Posso falar?

– Não - Anis acariciou a cabeça de Cheshire, deu um cheirinho no seu pescoço e o colocou de volta no chão. - Eu sei o que você vai dizer, mas não quero ouvir. Mesmo porque, só tem crianças desesperadas no auge dos seus dezoito anos naquela nojeira. Os hormônios deles não são como os meus. Estou mais perto da fralda geriátrica do que as fraldas de bebês.

– Anis, deixa eu falar...

– Não. Eu não vou para aquele lugar. Aquilo é um tipo de grande micareta virginal. É nojento e degradante. Tem tanta subcelebridade em desespero por atenção e por sexo que eu sinto o fedor de suor juvenil daqui - ela enfiou mais um punhado de salgadinhos na boca e limpou os dedos no guardanapo. - Eu estou desligando. Te amo.

A câmera iniciou no momento em que ela desligou a chamada de Martin. Ela sorriu para a tela, usando toda a coragem que tinha. Antes de começar a falar, ela esfregou as mãos sob a mesa e respirou fundo.

– Olá, meus queridos estranhos. Eu sou a Anis, e se você está aqui, provavelmente é porque sabe que fiquei popular por causa das últimas polêmicas - ela se inclinou, como se fosse contar um segredo. - E hoje eu vou falar com vocês sobre a virgindade na maturidade.

Mesmo no silêncio e solidão da sua casa, Anis sentiu as pessoas que a estavam assistindo segurarem o ar. Ela sabia que Martin estaria apertando o assento de onde estava.

– É difícil estar nesse lugar da sociedade - os olhos dela se encheram de água, mas tudo que ela fez foi respirar fundo e afastou as lágrimas com as pontas dos dedos. - Não me entendam mal. Não é como racismo, ou como transfobia. Eu posso pisar na rua sem que tentem me matar. É um tipo diferente de dor.

"A questão é mais emocional e pessoal. O tipo de preconceito que eu passo é esse, quando falo sobre isso, quando vou ao ginecologista. Já passei por vários médicos que se recusaram a fazer exames de rotina, porque eu ainda sou virgem e não deveria cuidar disso.

"E não é só isso. Também tem a questão das amizades. Quando as amigas descobrem, sempre tem alguém que querem me apresentar. Ou dizem que a culpa é minha... Eu que não me abro o suficiente para o mundo. E por que eu não baixo o Tinder, não é?"

Anis deu de ombros para responder a sua própria pergunta retórica. Ela fungou, afastou mais lágrimas com as pontas dos dedos e respirou fundo para criar mais coragem.

Enquanto isso acontecia, alguém mandou um PIX de cem reais, afirmando que não conhecia mais nenhuma mulher adulta que fosse virgem. Ela soltou um riso de escárnio.

– Isso é porque não saímos por aí falando sobre nossa vida privada. Isso é pessoal demais, e só é mencionado para quem é muito próximo de nós. Acham mesmo que eu gostaria de estar aqui, dizendo isso? - Anis fez uma careta quase de dor. - A verdade é que aquela sua amiga que nunca namorou e você nunca viu beijando alguém, provavelmente vai ser a trintona virgem. Mas você ainda não sabe disso, porque ela só parece a amiga que ainda não viveu isso. Mas a questão é que eu tenho umas seis amigas que também são virgens ainda.

Alguém mandou um PIX de sete reais, dizendo que provavelmente existe um padrão na virgindade madura.

– Olha, eu também pensei sobre isso há alguns anos atrás. E fui comparar todas as nossas vivências. E a verdade é que sempre houveram momentos diferentes em nossos envelhecimentos.

"Nossos corpos não são nem mesmo parecidos. Nossos grupos de amigos muito menos. O rolê sertanejo é sexual, quer você queira quer não. Por que amigas que frequentam esses lugares ainda estão na mesma que eu? E minha amiga que frequenta academia e clubes de esportes? Ou aquela que gosta de funk? Existem corpos dentro e fora dos padrões entre as minhas amigas virgens. Vidas diferentes, classes diferentes, experiências diferentes.

"Obviamente, estamos em diferentes patamares desta situação. Algumas já beijaram, algumas já foram em encontros. E tem eu, que nunca fui notada. Nem mesmo em um barzinho quase vazio. E a resposta óbvia é: separadamente, nós não somos vistas como opção."

O interfone tocou bem naquele momento, fazendo-a dar um pulo de susto.

– Alguém está aqui? - ela fez uma careta, tentando entender se alguém próximo a ela tinha dito que iria visitá-la e a informação não tinha sido registrada. - De qualquer forma, eu só queria dizer isso. Queria deixar claro que as vidas não são iguais, que coisas acontecem e eu não sou uma aberração. Na verdade, se você ainda é virgem, talvez seja como eu quando envelhecer mais um pouco. Não temos controle sobre isso.

O interfone voltou a tocar, e Anis ficou agitada. Ela despediu do público e desligou a live. Quando atendeu ao interfone, ainda estava com voz de choro.

– Abre logo essa merda. Eu quero alguém para beber - Ana Clara resmungou do outro lado da linha.

Indignada com a pessoa que estava na sua porta, Anis correu para a janela segundos depois de liberar o portão da frente. Ela teve tempo de ver Ana Clara entrando no seu prédio, carregando sacolas de mercado consigo.

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