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O céu estava limpo, exibindo um azul quase Mediterrâneo. Era como os céus de fotos bonitas da internet, e Anis parou no meio da calçada para bater uma foto dos topos dos prédios emoldurando um quadrado azul.

Ela caminhou por um tempo observando a imagem do celular, mas fez uma careta quando viu que os comentários estavam chegando de formas excessivamente ofensivas no seu direct.

– Merda. Meus stories não são mais meus - ela resmungou, enfiando o celular na bolsa.

Na frente do prédio onde Anis trabalhava, estava estacionado um carro vermelho chamativo demais. Ela passou pelo carro espiando o brasão da marca, mas deu de ombros quando viu um tridente que ela não reconhecia de lugar algum.

Assim que entrou na recepção do prédio, encontrou Kai fazendo uma foto três por quatro para um crachá temporário. A recepcionista nova parecia estar nervosa demais em atendê-lo.

Anis passou por ele de cabeça baixa, tentando não chamar atenção.

– A senhorita da recepção acabou de chegar - ela ouviu a senhora que atendia o público geral informar para ele. Quando Anis ergueu o rosto para ter certeza de que era dela que a senhora estava falando, Kai acenou e sorriu de uma forma radiante.

– Olá, estranho - Anis se aproximou dele com certa relutância. - Eu não sabia que você viria até aqui buscar a camisa. Deixei em casa, secando no varal. Sinto muito.

– Tudo bem - Kai fez um sinal de que não se importava, pegou seu crachá recém impresso e indicou as catracas para Anis. Eles passaram por elas lado a lado. - Na verdade eu vim te recrutar.

– Sem chance. Você não foi convertido pela ideia absurda da Ana Clara, não é?

– Eu fui. Mas também estou com um senso de justiça peculiar esta manhã - Kai ficou em silêncio quando uma mulher muito bem vestida se aproximou deles e parou nas costas de Anis para esperar o elevador. Ele só voltou a falar quando o elevador deixou a mulher no seu destino, no segundo andar. - A Lorraine é minha prima de consideração. Ela é filha do irmão do meu padrasto, antes que pergunte.

– Eu não ia - Anis girou o chaveiro no dedo indicador da mão esquerda. Ela deu risada da careta que ele fez pela sua malcriação. - Foi mal. Eu faço essas coisas sem perceber.

Kai ficou em silêncio por mais um tempo. Ele parecia estar pensando em alguma coisa.

– Eu quero dirigir o quadro.

– Dirija.

– Mas só quero fazer isso se você for a apresentadora.

– Me dê uma boa razão para isso - ela disse, fazendo uma careta.

Kai sorriu como se esperasse por aquilo, o que fez com que Anis revisasse os olhos.

– Você só vai trabalhar de verdade uma vez na semana. Também vai ter férias de quando em quando - ele estava enumerando as coisas nos dedos. - Também existe a óbvia possibilidade de esse emprego pagar melhor do que o seu atual trabalho de recepcionista.

– Óbvio que sim - Anis riu de um jeito debochado. - Trabalhar com internet pode ser difícil, mas sempre vai ser mais fácil do que empregos de meio ou total período. E sempre vai pagar melhor.

– E esses não são bons motivos?

– O que você quer de verdade? - Anis se virou para ele, cruzou os braços e estalou o polegar esquerdo com a ajuda das pontas dos dedos. - O que você ganha se eu for?

– Ganho o prazer da sua companhia - Kai fez uma cara de cachorro pidão. - Por favor?

A porta abriu no andar de Anis, e ele a seguiu para fora, dando passos apertados logo atrás dela. Nenhum dos dois falou nada até que entrassem na recepção.

– Qual é? - Kai tentou pegar a manga da sua camisa, mas ela desviou o corpo para longe dele. - Por que você não quer?

– Porque isso não vai durar. E eu quero ser realista sempre. Acha que eu não sei que vocês só querem surfar na onda? - Anis largou a bolsa sobre o balcão e lhe deu as costas.

Enquanto ela andava pelos dois andares da clínica, destrancando portas e abrindo janelas, Kai se sentou na recepção e se distraiu lendo uma edição antiga da revista Caras. Ele largou a revista quando ela voltou para o cômodo.

Ela fingiu não ver quando Kai se debruçou no balcão, de frente para ela.

– Larga tudo e vem trabalhar com a gente.

– Isso parece uma proposta furada de quem quer atrair mulher para tráfico sexual - ela o olhou nos olhos, mas quando viu que ele não riu, se sentiu culpada pela piada. - Desculpa.

– Tudo bem. Eu assisti a todo o seu conteúdo e sei que você faz piadas de gosto duvidoso quando está perdendo o controle da situação.

– Por acaso o seu irmão gêmeo psicólogo te contou isso?

– O que o Kim e você conversaram enquanto eu procurava roupas para te emprestar? - Kai apertou os olhos na direção dela.

Ela se inclinou na direção dele, os olhos semicerrados da mesma forma.

– Algumas coisas.

Eles ficaram se encarando em silêncio por um tempo. O sino eletrônico da porta soou, fazendo Anis erguer o rosto.

– Bom dia, senhor Gualhento.

O chefe de Anis ergueu a mão para ela, em um cumprimento silencioso. O bigode grosso não se ergueu em um sorriso, mas seus olhos grandes e castanhos indicaram que ele estava satisfeito em vê-la.

– Bom dia, minha jovem - ele parou ao lado de Kai, estendeu a mão sobre o balcão e pegou uma pilha de pastas pretas. - Você é o paciente da manhã?

– Não - Kai sorriu para ela com dentes brancos demais. - Vim fazer uma avaliação de encaixe.

Anis fez um som estranho com a boca e desviou a cabeça, olhando para a parede em que os profissionais da clínica exibiam seus diplomas.
O chefe dela exibiu um sorriso sapeca sob o bigode.

– Sei - ele olhou de Kai para Anis, como se soubesse de algo. - Vou avaliar você antes do primeiro paciente. Arrume a ficha dele para que eu o atenda.

Anis acenou com a cabeça, indicando o sofá para Kai.

– Queira se sentar, senhor, por favor. O doutor já vai atendê-lo - ela estendeu uma prancheta para ele, com informações de saúde física e bocal.

Kai se sentou de costas para ela, preencheu a ficha e encarou o espelho que estava na sua frente. Enquanto ele observava Anis se mover por trás do balcão, ela fingia que não estava sendo observada com interesse demais.

Ela continuou fingindo não ver quando ergueu o rosto e ele estava com as mãos cruzadas em sinal de oração. Ele mexeu os lábios pedindo por favor.

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