Flora
– Bom dia, padre Lucas, sua bênção.
– Deus a abençoe, menina flor. Veio marcar o dia do seu casamento?
Padre Lucas cuida, juntamente com o diácono, das cinco igrejas das cidades da Organização. Cada uma possui um padroeiro; normalmente, as celebrações são feitas na sede das outras comunidades, a igreja de São Jorge. O lugar é lindo, com decorações entalhadas em ouro e algumas pedras preciosas, mostrando a riqueza das famílias.
– Sim, padre.
– Onde está seu noivo?
Sabia que ele iria perguntar isso. Simplesmente estou evitando ficar perto do meu noivo. Minha mãe está distraída, conversando com algumas senhoras. Aproveito que estou perto do padre para contar toda a verdade.
– O senhor teria um tempo para uma confissão?
– Claro, menina flor. Venha comigo. Acredito que sua mãe vai demorar com as senhoras. Elas vão aproveitar para conseguir algum donativo para os pobres. Sabe como sua mãe é caridosa.
Mamãe é realmente atenciosa com causas humanitárias, e todos sabem disso. Ela costuma dizer que Deus a abençoou com uma família numerosa e feliz; portanto, procura sempre retribuir. O padre entra no confessionário; logo em seguida, entro também.
– Padre Lucas, não tenho a quem falar sobre o que vi. Por isso, preciso contar algo muito sério sobre meu futuro marido e também pedir conselhos.
Contei tudo que vi sem deixar um detalhe de lado. O silêncio do padre, ouvindo cada informação, mostrava como ele estava assustado. Ele é muito comunicativo, sempre sorrindo e contando uma das suas histórias como frei missionário; portanto, sei que está horrorizado como eu.
– Filha, isso é muito sério. Notei como parece ter medo de Juan. Observo muito, menina flor. Tentou contar para seus irmãos ou seus pais? Esse rapaz pode ser um risco para sua integridade física.
– Ninguém vai acreditar em mim. Por isso, quis conversar com o senhor. Me conhece desde pequena, sabe bem que jamais mentiria sobre um assunto tão sério. O que eu faço? Preciso marcar a data do casamento; o noivado já está todo organizado, mas eu não o amo, não confio nele e tenho medo do que me reserva.
A verdade é que esse compromisso é um erro. Magalhães não gosta de mim, não me respeita, e desde o momento que soube desse casamento, vivo um inferno na Terra.
– Não marque a data ainda; o chame para conversar comigo. Tentarei levá-lo à lucidez. Não posso prometer nada, no entanto, vou tentar. Reze para que a Virgem Maria possa ajudá-la.
– Muito obrigada, padre Lucas; sabia que o senhor me ajudaria.
Assim que me abençoou, saímos do confessionário. Vejo Juan conversando com as senhoras e minha mãe. Sinto tudo ao meu redor rodar, como se estivesse tonta; padre Lucas percebeu minha instabilidade, segurando meu braço. O olhar de Magalhães foi tão assustador; parece que está com ciúmes de um senhor de 65 anos.
Ele vai até nós com o semblante terrível. Padre Lucas entra na minha frente, como se tivesse percebido a mudança do temperamento de Juan.
– Bom dia, meu filho, que Deus o abençoe. Estava conversando com Flora, perguntando o porquê você não estava aqui com ela para marcar a data do casamento. Fico feliz que esteja aqui, meu filho; precisamos conversar. Venha comigo até a sacristia.
Padre Lucas não deu oportunidade para Juan falar ou fazer algo comigo. Pegou em seu braço, levando para a sacristia. Minha mãe terminou o assunto com as senhoras, indo até onde estava. Espero que o padre consiga tirar a ideia de Juan se casar comigo.
Juan
– Padre, por que segurou o braço da minha noiva daquele jeito?
– Flora teve uma tontura. Imagino que saiba que a menina flor está empenhada em organizar tudo. Inclusive, veio com a mãe para marcar o casamento. Achei estranho; até questionei sua noiva sobre isso. Sua presença é importante, pelo menos para este momento.
O padre tem razão. Sei que toda a organização do casamento é estressante. Deveria ter sido mais presente, ao invés de apenas liberar dinheiro para todos os gastos. Resolvi vir para que Flora perceba que quero esse casamento e me preocupo com os detalhes dele. Ela não atende o telefone, não responde minhas mensagens, e tenho a impressão de que faça isso de propósito.
– Foi uma falha minha. Deve entender que sou um homem ocupado. Depois do que foi revelado sobre minha irmã, estou tentando diminuir os danos. Minha mãe tem me causado grande preocupação; infelizmente, não está bem por conta de tudo que descobrimos.
– Entendo. Talvez deva refletir melhor sobre esse casamento. Como um apóstolo de Deus, é minha obrigação adverti-lo sobre o risco de se casar não estando totalmente preparado. Filho, seu olhar sobre a menina flor quando a ajudei não foi de um noivo disposto a construir uma relação sadia e amorosa com sua noiva, e sim de alguém com problemas para confiar.
Flora não é confiável. Linda, delicada e dócil assim como minha irmã, preciso ficar atento a ela. A quero como esposa; porém, tenho que zelar da minha reputação. Caso ela tenha qualquer desvio de caráter, tenho que saber. Miguel está me ajudando com isso; recebo relatórios diários dela pelos homens que coloquei para vigiá-la.
– O senhor sabe que minha família, como as demais, ajuda muito com todos os custos, como também com as obras de caridade da igreja. Sei que não gostaria de perder nosso patrocínio; os pobres e necessitados perderiam muito, com toda certeza. Peço que não se intrometa em assuntos que não lhe dizem respeito. Flora será minha esposa, com sua bênção ou não.
– Filho, não quero me intrometer na sua vida; estou cumprindo minha missão como sacerdote, que é aconselhar. Celebrarei o casamento, não por conta de sua ameaça, e sim por Flora. Tenho por ela, como também com os outros filhos das cinco famílias, um grande apreço e amor. São meus filhos espirituais, pois os batizei e os vi crescer. Por isso, como um pai, me sinto no dever de orientar: casamento, Juan, é até que a morte os separe. Tenha certeza de que é isso que quer; caso contrário, não o aconselho que siga com isso.
Flora deve ter confessado a ele que está apaixonada por outro homem; por isso, ele está tentando me fazer mudar de ideia sobre o casamento.
– O casamento vai acontecer, e não há nada que diga vai mudar minha decisão.
Saio da sacristia, indo na direção de Flora, que está com a mãe. Sei que notou que estou irado; disfarço na frente da minha futura sogra, pedindo para que me deixe sozinho com Flora. Ela fica resistente, mas aceita sair de perto da filha.
– Você não me entregou os exames, Flora. Sei que foram feitos e os resultados já saíram. Por que a demora? Além disso, não atende minhas ligações e não responde minhas mensagens. O que está acontecendo? Peço que não use a desculpa de que está sem tempo, por causa dos preparativos do noivado e casamento, pois sei bem que está tentando, com todas as suas forças e influências, evitar nossa união.
Ela tenta levantar, mas não deixo, segurando sua mão, apertando com força, a obrigando a sentar novamente.
– Magalhães, terá seus exames em mãos ainda hoje. Pedirei para enviarem a você. Sobre suas ligações e mensagens não respondidas, devo lembrá-lo de que ainda não é meu marido. Sei que controla cada passo que dou, com ajuda do meu irmão, e tudo bem, você está certo; sou uma mulher traiçoeira por natureza, e não sou digna de sua confiança. É importante que saiba que não quero esse casamento; eu o detesto. Estou fazendo tudo isso pela minha família. Sei o que pensa sobre mim; acredito que seja melhor encerrar este compromisso. É o certo a se fazer!
– Pensa que vou deixá-la livre para ficar com Ulisses ou os outros que provavelmente tem? Está muito enganada. Não vai se livrar de mim tão fácil. Tenho interesse nas terras que vai herdar, assim que se casar comigo, como no seu dote. Não me importo que seja uma vagabunda, diferente do meu pai e de Rossio, que não souberam educar e lidar com Mirela. Vou saber como deixá-la do jeito que quero.
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A Confiança - A Organização - Livro 3
ChickLitJuan Magalhães é leal, sério e dedicado a manter sua família em uma posição favorável e de confiança dentro da Organização. No entanto, tudo muda com um erro cometido por alguém muito próximo. Agora, Juan tem que lidar com pecados que não pertencem...