Flora
Não tenho preconceito nos cuidados da casa porque minha mãe fazia isso, o que me incomoda é Magalhães pensar que minha vida vai se resumir apenas a isso. Tenho muito mais a oferecer e fazer; isso mostra como ele é um machista de merda. Vou até a cozinha assim que percebem minha presença; as empregadas todas abaixam a cabeça como se fosse uma rainha, isso é totalmente ridículo.
– Bom dia, meninas, podem mudar essa postura, por favor. Não sou rainha para ficarem de cabeça baixa. Preciso conversar com vocês.
– Senhora, o certo é respeitá-la como dona da casa. Senhor Magalhães gostaria que fosse assim.
Claro que ele ia assustar as empregadas também. Imagino o que essas pessoas não passam na mão desse homem. Vou até a moça que me respondeu levantando seu rosto para olhar para mim, lembro que a mesma que me viu nua ontem.
– A dona da casa está pedindo para todas ficarem de cabeça erguida. Além disso, você já me viu sem roupa, portanto, somos praticamente íntimas. Qual o seu nome?
– Flávia.
Sorri para todas que seguiram Flávia levantando seus rostos. Elas são jovens, até mesmo a cozinheira.
– Não vim para mudar a rotina de ninguém. Os cardápios das refeições devem permanecer os mesmos, os horários não precisam ser prejudicados e podem seguir como sempre fizeram. Só preciso da ajuda de vocês. Ontem, como com certeza sei que já virou assunto de todos, estava na festividade da colônia São Miguel Arcanjo; ouvi alguns relatos sobre a precariedade de como vocês vivem lá. Juan não fará nada para ajudá-los. Ele está mais preocupado em viver sentado no seu trono de rei da família Magalhães.
Elas podem até serem fiéis a Juan, mas preciso me arriscar. Aquelas pessoas necessitam de mim e da minha ajuda, pelo menos até o tempo para me livrar desse casamento. Flávia direciona seu olhar para suas colegas, talvez tenha medo e pense ser uma armadilha.
– Não amo Magalhães. Na verdade, o odeio, e não é nada que vai passar durante o tempo. Portanto, podem ficar despreocupadas. Não vou delatar ninguém, porém, para ajudar vocês, preciso de discrição e um pouco de coragem.
– A escola não tem espaço e nem cadeiras para todas as crianças. A capela é uma caixa de fósforo, as casas estão velhas precisando urgentemente de reforma. Se ficamos doentes, temos que ir para cidade, o que torna tudo muito complicado. Nem todo mundo tem carro ou moto, e a ambulância da cidade Magalhães não vem aqui porque simplesmente não querem.
Vejo como essas pessoas são negligenciadas e esquecidas. Onde Juan estava enquanto o seu próprio povo sofria? Estava mais preocupado com sua própria vida, esquecendo de quem o serve e o deixa rico.
– Obrigada, Flávia. O salário de vocês é justo? Não mintam para mim.
– Não. Ficamos aqui até altas horas. Ontem mesmo ficamos até as 21:00, e muitas começam as 05:00 com uma hora de almoço. É exaustivo.
Magalhães explora delas, usando com certeza o fato de não ser um simples produtor de tabaco. As pessoas temem represálias por ele ser um membro da Organização.
– A situação é mais séria do que pensei. Vamos começar a arrumar a bagunça por essa casa: todas vão entrar as 09:00, o café pode ser servido as 10:00, somente quando Juan estiver aqui. Quando não estiver, não precisam se preocupar. O horário encerra as 18:00, todas vão para casa descansar.
– E o jantar? Temos que servi-lo até as 20:30.
Elas se olharam apavoradas, como se Magalhães fosse matá-las por conta de um jantar idiota. Isso é culpa dele.
– Não se preocupem. A dona da casa tem duas mãos muito boas. Eu mesma vou cuidar do jantar e também servi-lo. Não é como se fosse morrer por isso. Quero que me arrumem um caderno, preciso fazer anotações importantes.
Já que ele quer que ocupe meus dias sendo a dama perfeita que ele comprou, farei isso com muito prazer, mas do meu jeito. Flávia arrumou um caderno onde coloquei os valores dos salários delas, aumentando para um valor justo como é na casa Acácia. Anotei também sobre as necessidades da colônia que ela falou, junto com outras informações em relação aos moradores.
– Não posso sair de casa, meu marido tem medo de ser corno. No entanto, estou designando você, Flávia, para um trabalho especial. Vai até a cidade Acácia e procure essa casa de joias que anotei no papel. Peça que mandem um vendedor deles aqui. Diga que Flora Acácia quer vender algumas peças e comprar outras.
– Mas os homens do seu marido não vão deixar outro homem entrar aqui.
– Verdade. Peça para vir uma mulher. Eles vão desconfiar. No entanto, já tenho um excelente plano para despistá-los.
Para realizar os meus planos, preciso de dinheiro. Como sei que Juan não dará, apenas para implicar comigo, usando da mesma conversinha de que não mereço ou questionar o porquê preciso do dinheiro, vou usar dos meus próprios recursos e astúcias.
Juan
Meus pensamentos não se desviaram de Flora um minuto sequer. Entre um contrato e outro, pensava em como ela é linda nua, como me recebe dentro da sua intimidade apertada sem medo, satisfazendo-me de maneiras que jamais imaginei. Assim que resolver minhas pendências aqui e visitar minha mãe, pretendo levá-la de volta para minha cama. Estou ansioso para tê-la sob mim enquanto possuo seu corpo.
Vejo Maurílio entrando na minha sala, mesmo a secretária tentando impedir. Todos sabem bem aqui na empresa que Rossio não é bem-vindo, nem aqui nem na minha cidade. Ele, como um grande abusado que é, veio mesmo com todas as ressalvas. Como é difícil lidar com esse homem.
– Rossio, o que quer?
– Vim aqui saber sobre a carga e também lhe dar um aviso: sua mãe está tentando se aproximar do meu filho. Ela não é bem-vinda na minha casa. Avise para esquecer da existência de Lucas.
Meu sobrinho nunca conviveu conosco por conta de Maurílio e sua crueldade em nos punir por conta de Mirela. Minha mãe não sabe nada sobre ele, graças ao afastamento forçado que Rossio impôs. Longe de nós, ficaria mais fácil perpetrar todo tipo de perversidade com meu sobrinho.
– Provavelmente está fazendo isso a pedido da prostituta ordinária que colocou dentro da sua casa.
– Lave sua boca para falar da minha esposa. Irma não tem nada a ver com isso. Ela até incentivou essa aproximação, inclusive chamou a sua mãe para um café da tarde. Sou eu que não quero o seu maldito sangue nas minhas terras. Infelizmente, terei que lidar com Lucas, pois é meu filho, e não posso simplesmente matá-lo.
Maurílio é um maldito, é um péssimo pai e um marido terrível. Não deveria ter falado de Irma. Nessa história, ela foi mais vítima do que qualquer um, junto com meu sobrinho.
– Recado dado, pode sumir daqui sobre as cargas. Prefiro tratar com Hugo Assis. Você e eu não temos o que conversar. Apenas tolero sua presença por sermos da Organização, o que me impede de matá-lo também.
Ele saiu mostrando o dedo do meio. Seria tão fácil descarregar uma arma na cabeça desse maldito, só que não posso perder tudo o que minha família conquistou por um monte de bosta. Volto a trabalhar para organizar as próximas remessas. Percebo que já está na hora do almoço quando o telefone toca. É Expedito. Já posso imaginar que Flora está dando trabalho. Pedi para me ligar se algo acontecesse fora do normal.
– O que Flora fez?
– Senhor, ela chamou uma vendedora de joias e está escolhendo várias peças. Quis perguntar se sabia, pois notei que são peças caras. Sua esposa não está economizando.
Sorri com a informação, apesar de não estar merecendo nenhum presente. Flora está agindo como uma dama da Organização, gastando meu dinheiro com joias e outras coisas supérfluas.
– O que devo fazer, senhor?
– Nada, deixe que ela compre.
Logo, Flora vai se adaptar à nova vida e a mim. Sei que o início do nosso relacionamento não foi dos melhores, porém isso pode mudar. Vejo um bom futuro para nós, se ela continuar sendo o que foi programada para ser, ou seja, uma boa esposa e mãe dedicada.
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A Confiança - A Organização - Livro 3
ЧиклитJuan Magalhães é leal, sério e dedicado a manter sua família em uma posição favorável e de confiança dentro da Organização. No entanto, tudo muda com um erro cometido por alguém muito próximo. Agora, Juan tem que lidar com pecados que não pertencem...